quinta-feira, 27 de outubro de 2016

DIREITO DE INFORMAÇÃO VS. SEGURANÇA

LUÍSA VAZ
Nos últimos dias Portugal tem sido alvo daquilo que já foi apelidado de “novela” e tudo graças ao papel da comunicação social. Falo do caso de Pedro João Dias, o homem mais procurado em Portugal neste momento.

Não sou criminalista e portanto não será sob esse prisma que analisarei esta questão. A minha preocupação é outra e duvido que seja a mesma da maioria dos portugueses.

A minha preocupação prende-se, neste como noutros casos que através da comunicação social ganham mediatismo – o caso dos ataques terroristas, por exemplo – com o facto de a comunicação social portuguesa incentivar ao medo e à confusão pela forma constante e dramática como apresenta estas noticias podendo inclusivamente prejudicar as operações policiais ou em ultima análise instigar o medo nas populações.

Ao estar a transmitir “ ao minuto” o risco de passar informações que se vêem a verificar infundadas ou mesmo falsas aumenta consideravelmente fazendo com que uma série de debates “non sense” tenham lugar. Neste como noutros casos, assistimos a um crescendo imediato de especialistas em tudo e mais alguma coisa e a horas infindáveis de transmissão das mesmas imagens, da mesma informação repetida, dos mesmos títulos bombásticos e de horas e horas de debate sobre o que supostamente está a acontecer que nada tem a ver com o que está a acontecer de facto.

Na sua ânsia de manterem as audiências, estes canais especializados na exploração da desgraça esquecem o rigor linguístico e jornalístico, não raras vezes as peças apresentam rodapés com erros ortográficos ou os próprios apresentadores no terreno vociferam as famosas “calinadas” transformando em cómico um momento que se pretende sério.

É por demais evidente que nesta guerra pelas audiências a segurança de pouco ou nada vale. Sob o pressuposto do inviolável “ direito à informação” estes canais “esquecem-se” que também estão a informar os criminosos em fuga e assim dificultam as investidas policiais.

São vários os casos em que isto acontece mas o mais preocupante é que há muita gente que segue atentamente estes “desenvolvimentos” ansiosos por uma frase ou uma palavra diferente da da peça anterior e enquanto isso despendem horas a um debate interno surdo e sem qualquer resultado pratico.

Podem argumentar que “só vê quem quer”, sim, trata-se de uma verdade insofismável mas as pessoas também se educam. Se antigamente eram educadas a ver telejornais que davam as notícias sem que os pivôs manifestassem as suas opiniões pessoais sobre elas, usando a tal isenção que deveria estar sempre presente, se gostavam de ver concursos familiares ou de cultura geral, hoje ocupam o seu tempo com Secret Stories ou telejornais sem qualquer rigor.

Podem argumentar que “não há notícias e as audiências não se podem perder”. Mas então mudem os formatos. Falem de temas que interessem à sociedade, falem mais sobre o que se passa no Mundo, ou mesmo na União Europeia, os nos Países Lusófonos em vez de deixarem essas matérias para o Euronews ou para canais específicos da lusofonia, por exemplo.

Há muitas formas de fazer as coisas mas quando se trata da nossa segurança pessoal e colectiva, eu prefiro não saber o que o criminoso comeu mas dar mais espaço às forças de segurança para o capturarem.

Eu não concordo que os media devam saber de tudo ao pormenor e por uma razão muito simples: existem matérias que a população não tem arcaboiço para debater e com as quais não se deve sequer preocupar e estar a transmitir de forma constante e alarmista só permite que isso aconteça sem trazer nada de positivo para nenhuma das partes envolvidas.

Podem acusar-me de querer censurar a comunicação social. Não se trata disso, trata-se de apostar no rigor da informação e de a dosear consoante as necessidades sem colidir com a segurança dos cidadãos. Liberdade de informação e libertinagem na sua transmissão são coisas distintas e nunca deveriam ser confundidas.

A comunicação social surge como o 4º Poder quando aparece o primeiro jornal nas bancas ou a primeira transmissão noticiosa na rádio e foi tida como o contra-peso do Poder na medida em que tinha a liberdade e a isenção para denunciar em larga escala aquilo que os outros três Poderes – legislativo, executivo e judiciário – faziam de errado ou menos positivo e assim mantinham alguma independência mesmo que estes de alguma forma fossem corrompidos. Ora eles têm sido corrompidos ao longo do tempo e a comunicação social tem em alguns casos servido para o encapotar em vez de denunciar.

O facto de a maioria dos grandes grupos noticiosos pertencer aos mesmos senhores retira-lhe toda a isenção que poderia ter e quando a isso se junta um Editor que tem na mira apenas as audiências independentemente dos custos que isso possa trazer, o resultado é muita informação mas pobre em qualidade e conteúdos.

Portugal tem alguns nomes de referência no Jornalismo, pessoas com pergaminhos e provas dadas de competência e rigor e que deveriam ser melhor aproveitadas e a arte do Jornalismo de informação não se deveria deixar perverter nesta guerra surda. Se houvesse um verdadeiro investimento no Jornalismo de investigação, talvez, ai sim, fosse possível dar um contributo positivo às forças de segurança e por consequência ao País mas isto a que assistimos quase pode ser considerado um atentado ao pudor com a agravante que custa muito dinheiro por dia a todos os portugueses pois quantos mais entraves forem colocados às forças de segurança mais tempo eles demoram a resolver os casos, mais meios têm que ter no terreno e por consequência mais caro fica.

Eu sou do tempo de grandes nomes do Jornalismo nacional, nomes reputados e internacionalmente reconhecidos que cumpriam os critérios do rigor jornalístico e hoje posso afirmar que tenho um certo saudosismo desses tempos. Hoje em dia assistir a um bloco noticioso é um acto de coragem, seja pela forma muitas vezes brejeira com que os temas são abordados, seja pela informalidade da linguagem utilizada ou seja pela forma repetida como as notícias são emitidas sem qualquer criatividade, se quisermos, na forma como os temas são tratados, às vezes até parece que nada de bom se passa no Mundo. Não se criam empresas, não se inova em área nenhuma, não há projectos bem-sucedidos quando o incentivo pela positiva é a melhor forma de demonstrar ao cidadão que há sempre motivos pelos quais lutar para tentar fazer a diferença.

Podem contestar dizendo que os telejornais não são os locais adequados para dar esse contributo positivo à sociedade mas eu considero que se o seu papel é informar, então também devem procurar bons exemplos porque pelo menos uma vez por semana também os deve haver.

Um telejornal, ou noticiário não deve ser o espaço onde o pivô emite a sua opinião, seja por interjeições verbais, seja por expressões faciais ou por outro qualquer meio. O rigor e a isenção devem ser palavras de ordem e já agora a contenção que por vezes é a melhor forma de informar.

No entanto, uma dúvida subsiste no meu espírito: sendo que os serviços noticiosos continentais apenas se reportam a algumas notícias, poucas no meu entender, do espectro internacional, sendo a grande maioria nacional, porque é que há canais com noticiários de hora a hora? Há assim tanta produção noticiosa neste País a cada 60 míseros minutos?

Eu não me importo de abdicar da minha liberdade de ser informada de hora em hora se isso contribuir para a minha segurança e dos meus concidadãos. Não considero que isso seja uma violação dos meus direitos constitucionais mas posso considerar um abuso o que se vê em alguns meios de comunicação e não me parece que isso contribua para a Liberdade de ninguém.

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