quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A MORTE NA NOSSA VIDA

MARIA AMORIM
Não é uma temática muito agradável, ou da qual se goste muito de falar, esta da morte. Mas, como profissional de saúde que sou, e de um serviço de urgência, tenho muitas vezes de me confrontar com ela, de estar com alguém que está a morrer, de apoiar e cuidar daqueles que ficam, e ficam muitas vezes perdidos, sem rumo, sem chão, no desespero de ter de deixar ir quem morre. E, é talvez a única situação que nos deixa totalmente impotentes, pois nada podemos fazer, porque simplesmente não está nas nossas mãos. Nada nos prepara para esta situação esmagadora de perda, este vazio imenso que fica quando alguém querido morre.

Mas, quando alguém está doente, sofre, está já quase vazio de vida, não consegue falar ou exprimir a sua vontade de que o deixem morrer, temos o dever ético e moral de nos preparar para o deixar ir, de lhe dar a paz de que precisa para partir. 

Esta época não é muito fácil! Relembramos todos os que partiram e nos eram queridos, e, para poder lembra-los com muito amor e um sorriso, precisamos de refletir sobre a morte, o que é ela na nossa vida, como somos capazes de a ver, com desespero ou com esperança, com ódio ou com amor, cheios de sombra ou com muita luz? 

Costumo dizer muitas vezes, mesmo que não queiramos falar dela, que nos recusemos a encara-la, que a escondamos atrás de uma cortina, ou de um qualquer quarto de uma unidade de cuidados último grito, ela caminha connosco, desde que nascemos, e, todos somos iguais perante a morte, pois é a única certeza que temos na vida, a de que um dia vamos morrer. Então, podemos ter fé e esperança, e acreditar que quem morre só passa para o outro lado do caminho, deixa de estar fisicamente connosco, mas vai permanecer em nós pela saudade, pelo amor que não morre, e enquanto houver memória, vai permanecer vivo no nosso pensamento.

Para compreender o fenómeno da morte, é preciso ser capaz de a considerar como uma etapa onde cada um chega com aquilo que é e com aquilo que foi. Seja a nossa ou a dos outros é uma realidade difícil de aceitar porque nos lembra constantemente o carácter limitado da vida. É uma experiência individual que faz parte do desenvolvimento de todo o ser humano. A capacidade que cada pessoa tem de fazer face à morte depende de factores como a personalidade, educação, experiência de vida, da sua autoestima…e das capacidades funcionais que conserva.

Quem está perto da morte, muitas vezes é mais forte do que se pensa. Não é a morte que teme mas antes os acontecimentos que lhe estão ligados. Pode atribuir à morte diferentes sentidos, positivos ou negativos. Pode evocar experiências vividas através dos outros, um rumo para o desconhecido, um encontro no além com pessoas queridas que já partiram…

Pode ser o nada, o fim da vida, um castigo, uma separação, ou então uma forma de obrigar os outros a preocuparem-se mais consigo…

A morte é mais do que nunca tabu de que se fala de maneira disfarçada, dizendo apagar-se, falecer,passar para o outro lado, ir embora, partir

Hoje em dia cada vez há menor contacto com a morte, pois cada vez é mais vivida em instituições. Dantes as pessoas morriam em casa rodeadas da família, o que permitia que estes os apoiassem e tomassem contacto com a morte, mas cada vez mais o medo da morte faz com se evite falar do assunto, sobretudo em presença do moribundo, o que não lhe permite falar do assunto, privando-o de algo muito importante, pois todo o ser humano tem necessidade de apoio e compreensão dos que o cercam para viver este momento difícil.

Todos têm o direito de morrer dignamente, rodeados de quem amam, sentindo que podem ir em paz, porque quem fica também vai ficar tranquilo, com muito pesar, tristeza e saudade, mas tranquilo porque sabe que fez o que devia, que é acompanhar, apoiar, amar e saber despedir-se de quem parte. 

A morte é inevitável, o desespero é evitável, quando cada um se preparar, e souber que esse momento é o fim de um ciclo que se fecha para a pessoa que morre, que esse ciclo nunca é igual de pessoa para pessoa, para uns é muito curto, para outros muito longo, para uns é de sofrimento, para outros é tranquilo... E, nunca é justo ou injusto, a vida é simplesmente a vida, e a morte é simplesmente a morte.

Posso falar com conhecimento de causa, a tristeza é imensa, a saudade também, mas devemos a quem morre continuar a viver com um sorriso e com amor no coração... e um “até sempre”, pois para sempre vai permanecer em nós a memória do que nos uniu a quem morre.

2 comentários:

  1. Sim é verdade tudo o que escreveste, plenamente de acordo e digo mais, não é uma partida para o outro mundo, será antes um regresso, pois esta vida é a passagem, então a morte é o regresso...

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  2. Mas a dor da separação é tão forte, e em certos momentos é mesmo insuportável, porque ela vai e volta, sem avisar, arrasa connosco, depois de todas as vezes que nos reerguemos, é uma luta constante com o que acreditamos e versus o que vamos sentindo, tem dias que somos derrotados, e depois do sol nascer lá temos de voltar a caminhar, um pouco mais sós, mas apreciando a companhia de que vai estando do nosso lado, porque se assim não for passamos a vida a lamentar a ausência de quem os meus olhos já não vêm, mas o meu coração jamais esquecerá.

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