LUÍSA VAZ |
É praticamente impossível passar ao lado dos resultados surpreendentes das eleições americanas que decorreram esta semana.
Durante os últimos dois meses, ainda que por curta margem, a candidata democrata era dada como vitoriosa. Perfilaram-se a seu lado, o actual Presidente que afirmou sempre que “ esta era uma candidatura de continuidade”, figuras do mundo da música e do cinema e variadas personalidades.
A campanha pautou-se por ataques ao carácter de cada um dos candidatos mais do que sobre aquilo que realmente importava – as politicas, as ideias e as pessoas.
Trump que se apresenta como xenófobo, racista e que até granjeia o apoio do Ku Klux Klan, aparece agora como conciliador e empresário com propostas para o crescimento dos EUA, para o emprego e com ideias claras sobre a Política externa. Aquela América da campanha que confrontava os árabes, por exemplo, agora quer “ parcerias e não confrontos” e considera que “apesar de colocar a América primeiro”, estará disponível para “se dar bem com todos os que se quiserem dar bem com Washington”.
Barrack Obama que ridicularizou Trump há três anos, agora apela à unidade e invoca as divergências que teve com Bush para demonstrar que apesar disso a transição entre administrações foi pacífica, como pretende que esta seja.
Mais do que uma lição política, deve tirar-se uma ilação social destes resultados eleitorais. Apesar do discurso duro de Trump durante a campanha, apesar dos ataques aos árabes, aos mexicanos e às mulheres, Trump consegue que as mulheres latinas votem nele e que os negros não se revejam no discurso racista. Ainda consegue ir buscar o eleitorado operário branco.
Apesar do perigo que fez com que os futuros norte-americanos descessem 600 pontos e Nikkei exigisse uma reunião de emergência do Ministério das Finanças japonês, a América interior, mais rural, menos escolarizada e mais pobre opta por Trump enquanto que a América litoral e letrada opta por Clinton.
O povo americano opta por um candidato que não tem nem perfil nem carreira política em prol do aparelhismo. Prefere uma mudança que tudo indicava poder levar a uma 3ª guerra mundial a uma manutenção do status quo. Clinton tinha o aparelho partidário com ela, tinha voluntários espalhados por todo o território, preparou-se, a nível político e pessoal, para chegar de forma apoteótica à Casa Branca, tinha os líderes internos e externos com ela e perde para um outsider problemático e conflituoso. 52% das mulheres brancas norte-americanas optam por Trump.
A cada dado, a cada numero se percebe que este fenómeno é muito mais social do que político e é uma afirmação clara de que as pessoas, todas elas, estão cansadas do sistema e apostam tudo em candidatos que lhes demonstrem – não é necessário prova-lo – que estão dispostos a pelo menos tentar abalá-lo.
As pessoas estão cansadas de discursos populistas, das elites e dos erros crassos e sucessivos dos governantes e estão dispostas a correr riscos para mudar as coisas. Quem ganha com isto, em última análise são as extremas e os independentes – ou aqueles sem carreira política – que usando um discurso inflamado e que afronta os interesses instalados se arrisca a ganhar e a granjear espaço no teatro político.
Se levarmos em conta o que Trump foi dizendo nos sucessivos discursos, podemos perguntar-nos o que acontecerá à NATO.
É sabido que o facto de alguns países terem direito de veto nas várias matérias funciona como um sistema de bloqueio e que a Organização apenas tem servido de “carro-vassoura” para as guerras que os líderes políticos vão financiando e que portanto precisa de deixar de ser um sugadouro de dinheiros públicos para passar a ser o garante da Liberdade e da Segurança internacionais.
Talvez com este ciclone de nome Trump isso esteja mais próximo de acontecer. Era extremamente positivo se esta eleição levasse a que as instituições se reestruturassem e se actualizassem mas agora vamos ver se para além do carisma, Trump tem a força para dobrar o establishment. Eu tenho dúvidas visto que ele tem o lobby das armas com ele mas veremos o que o futuro nos reserva.
Espero que esta escolha seja uma lição para o resto do Mundo para que não tenhamos que penar sob o jugo das extremas para pôr as instituições a funcionar de forma mais transparente.
A América, dada a sua dimensão e tapeçaria cultural, pode ser vista como um retrato do Mundo e convém que as ilações sejam tiradas a tempo de serem feitas as necessárias correcções antes que seja tarde de mais.
Em jeito de conclusão e parafraseando uma mulher latina que foi entrevistada antes das eleições, quando lhe foi perguntado qual seria a sua orientação de voto: “ Sou mulher, sou latina e vou votar Trump. São precisas regras, não podem entrar todos, temos que estar legais e fazer as coisas devem ser bem feitas.”
Fica a dúvida: esta senhora passou pelo processo de emigração como muitos dos seus compatriotas, esteve ilegal no território até conseguir o seu green card ou já nasceu em solo americano e agora pretende não ter muita concorrência às suas regalias? Os negros esqueceram-se do que passaram ou já o ultrapassaram?
Será que estamos numa fase em que independentemente das dificuldades que cada um passou para estar onde está, o egoísmo fala mais alto ou toda a gente ganhou consciência e deseja que quem os governa crie sistemas para que tudo corra dentro da normalidade para quem ainda não teve acesso ao “ american dream”? E a Europa, que conclusões pode e deve tirar com, por exemplo, a questão dos refugiados?
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