JOÃO RAMOS |
A maior surpresa política do ano foi a vitória de donald trump nas eleições norte-americanas e as suas potências repercussões nos próximos ciclos eleitorais europeus. O crescimento do fenómeno “trump”, do ciudadanos ou do Podemos em Espanha, da Aurora Dourada na Grécia e inclusivamente da Frente nacional em França devem-se a duas mudanças estruturais ocorridas essencialmente no século XXI. A primeira mudança traduz-se no forte agravamento das desigualdades sociais e na distribuição do rendimento criado pela utilização crescente da tecnologia, pela expansão dos meios digitais, pela introdução de um sistema fiscal regressivo e pelos efeitos da deslocalização da produção para países asiáticos com mão-de-obra “barata”. Este efeito é particularmente grave nos EUA, embora na Europa se sinta com maior intensidade as consequências das elevadas taxas de desemprego. Incapazes de proteger uma classe trabalhadora encurralada entre a deslocalização, a precarização das relações laborais e a dificuldade em adquirir competências para a entrada numa economia exigente e orientada para as tecnologias de informação, os partidos democráticos e as tradicionais organizações sindicais encontram-se a “braços” com uma enorme crise de confiança, de militantes e do número de votos.
A segunda mudança estrutural está relacionada com o declínio demográfico dos países ocidentais. A redução dos Índices de fecundidade favoreceu o envelhecimento da população e a redução dos indivíduos em idade activa, o que obrigou a empresas a recorrerem ao trabalho de imigrantes, para actividades de baixas qualificações. Estes fluxos migratórios em larga escala criaram choques e tensões culturais entre a população nativa e os recém-chegados. Muitos países europeus revelaram-se incapazes de absorver e assimilar os imigrantes, o que se traduz num nível de rejeição elevada por parte das populações autóctones próxima dos 90% na Grécia e Itália. Mesmo em países mais cosmopolitas como o Reino Unido, os EUA e a Suécia, apenas 30/40% da população estaria disponível aceitar uma maior diversidade cultural. Os partidos democráticos de centros direitos reagiram ao crescimento dos partidos extremistas através do estabelecimento de aliança com outras organizações minoritárias (o caso da Suécia, Holanda e França), de forma a manter o controlo do governo e incorporando parte das suas ideias. A este título o Brexit e as recentes declarações de Macron e Valls, no sentido de restringir os fluxos migratórios são exemplos da estratégia adoptada pelos tradicionais partidos para capitalizarem votos. Durante a segunda metade do século XX, os partidos políticos dividiam-se entre direita e esquerda. Actualmente, esta divisão transformou-se em movimentos anti e pró globalização. Felizmente, as gerações mais novas, com melhores níveis de qualificações do que os seus antepassados apresentam uma atitude mais favorável relativamente à globalização. Repare-se que cerca de 73% dos indivíduos entre os 18-24 votaram pela permanência do Reino Unido na EU, contrariando a tendência de voto das gerações passadas. Graças a programas como o Erasmus, e ao crescimento do número de viagens, as populações mais jovens estão disponíveis para aceitar o livre-comércio e a imigração. Porém, sem uma alteração do actual contexto e sem a criação de base sólidas que assegurem uma economia aberta a todas as gerações, capaz de integrar os valores da solidariedade, da democracia e do respeito, será impossível encontrar um equilíbrio e sobretudo estancar o crescimento dos movimentos populistas.
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