sexta-feira, 18 de novembro de 2016

REFLEXÕES SOBRE A CRISE ESPANHOLA

NUNO GAROUPA
Nas últimas semanas, Espanha elegeu um Presidente do Governo e, consequentemente, um novo Governo entrou em funções. Trata-se de um Governo minoritário, de continuidade, nas caras e nas políticas. Nas curtas semanas que leva no poder, já perdeu a primeira votação importante no Congresso (suspensão da reforma universitária votada quando o PP era maioritário). É obviamente verdade que o bloqueio institucional que impedia a formação de um executivo foi ultrapassado com a implosão do PSOE (as sondagens de opinião, entretanto publicadas, mostram que perdeu quase metade das intenções de voto). Mas a situação política continua muito mais instável que a solução que temos em Portugal onde o Governo tem uma maioria parlamentar.

A situação espanhola permite uma reflexão com claras implicações para Portugal. Comecemos pelo Governo que Espanha precisava. Espanha precisava de um Governo maioritário, dos principais partidos políticos, com um programa reformista nas quatro áreas fundamentais: a sustentabilidade do Estado social, a organização do Estado espanhol (nomeada a questão catalã que inevitavelmente pede um referendo, mas também a relação entre as comunidades autónomas e o Estado central), o sistema político (incluindo uma alteração profunda da lei eleitoral), uma limpeza profunda da corrupção que afeta a classe política. Ao mesmo tempo, esse programa reformista deveria lançar as bases de um crescimento económico saudável (ou pelo menos, mais saudável que o anterior modelo baseado no setor da construção civil). Com um horizonte de quatros anos (uma legislatura) e alguma melhoria da situação económica, com a regeneração da classe política e uma organização do Estado espanhol mais eficiente e mais transparente, poderíamos esperar que os radicais do Podemos fossem colocados no lugar político que merecem – um pequeno partido de protesto.

As instituições políticas espanholas foram incapazes de gerar o Governo que Espanha precisava. Em seu lugar, têm um Governo fraco, sem programa de reformas, encostado a uma contenção orçamental para a qual dificilmente encontrará aliados, sem solução para a questão catalã, profundamente incomodado pela corrupção. Do outro lado, temos um PSOE que dificilmente recuperará, em plena guerra civil, totalmente dominado por questões internas, sem qualquer programa governativo. O Ciudadanos (Cs) tornou-se desnecessário e perdeu a sua credibilidade nestes oito meses (tem agora três programas estruturalmente contraditórios: o manifesto original, o acordo negociado com o PSOE e o acordo negociado com o PP). E temos o Podemos que, apesar das suas crises internas (derivadas fundamentalmente de egos e personalidades, mas não de divergências ideológicas), inevitavelmente, beneficiará da atual conjuntura.

Podemos, simplesmente, culpar as lideranças dos vários partidos moderados (PP, PSOE e Cs) pela incapacidade das suas instituições. Provavelmente é uma parte da explicação. Note-se que escrevo lideranças (o grupo de pessoas que decide a estratégia do partido) e não só o líder. Mas, também, já sabemos que as claques nunca têm a humildade de reconhecer as insuficiências do seus. Gostam sempre mais de diabolizar o adversário e culpar o líder do outro lado. Contudo, esta incapacidade revelada das elites moderadas de produzir um Governo forte e a falta humildade das claques são o pão que alimenta os populismos. Não tenhamos dúvidas. Um Governo fraco do PP, sem programa, e um PSOE implodido apenas beneficiarão um partido – os radicais do Podemos. 



A lição para Portugal parece-me óbvia. Sem mudanças importantes, sem uma reforma profunda do sistema político, sem um combate efetivo à corrupção, a prazo, teremos um movimento populista forte. Seremos periféricos, teremos a gerigonça que permitiu alargar o arco da governação ao BE e ao PCP, mas não podemos pensar que estamos isolados da onda populista que desafia a democracia representativa nos nossos tempos.

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