quarta-feira, 9 de novembro de 2016

COMO SE CALCULA AS INDEMNIZAÇÃO EM CASO DE ACIDENTE DE VIAÇÃO

PALMIRA CRISTINA MENDES
O cálculo das indemnizações devidas por acidentes de viação é uma tarefa complexa e que depende de vários fatores, sobretudo quando se produzem danos corporais.
Ao contrário do que acontece noutros países, como Espanha ou França, em que a lei recorre a tabelas (Barème) com quantias claramente definidas para agilizar os processos de reclamação de indemnizações, a legislação portuguesa baseia-se essencialmente no princípio da equidade. Quer isto dizer que a fixação do quantum indemnizatório depende fundamentalmente dos parâmetros considerados pelo juiz e da jurisprudência que remeta para casos semelhantes.

As tabelas estão definidas partindo do princípio que o lesado vale essencialmente pela sua capacidade produtiva, ou seja, pelos rendimentos do seu trabalho.

É por este motivo que a valoração das lesões é tão importante. Se sofreu um acidente de viação, o historial clínico e os exames de diagnóstico são a prova principal que permitirá reclamar a indemnização “justa”.

AVALIAÇÃO DOS DANOS CORPORAIS

O dano corporal é qualquer facto lesivo que prejudique a saúde física e psíquica do indivíduo.

Em consonância com outros profissionais especializados em avaliação do dano corporal, defendemos que o dano é uno e que não pode ser analisado unicamente desde uma perspectiva laboral de perda de capacidade de ganho. Antes pelo contrário, deve ser avaliado numa óptica transversal que abarque todas as implicações na vida do lesado.

Os danos advenientes de um sinistro rodoviário podem ter consequências que repercutem na atividade profissional do lesado mas também nas atividades habituais, desde as simples tarefas quotidianas até às atividades de lazer e outras.

Os danos dividem-se em dois grupos principais:

- Patrimoniais

- Não Patrimoniais ou Morais

1. DANOS PATRIMONIAIS

Entende-se por dano patrimonial o prejuízo causado nos bens do lesado, que pela sua natureza possam ser objeto de reparação ou indemnização, seja mediante a restauração natural ou reconstituição da situação que existia antes do acidente de viação, ou através de substituição por bem equivalente ou indemnização em dinheiro. Integram o conceito de dano patrimonial:

Danos emergentes:

“O dano emergente compreende o prejuízo causado nos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão.” Art. 564º do Código Civil. 
Constitui dano emergente o prejuízo decorrente de perda, destruição ou danificação de bens que o acidente de viação tenha ocasionado, bem como todas as despesas em que o sinistrado tenha que incorrer (despesas médicas e medicamentosas, refeições, estadas, transportes, auxílio de terceira pessoa, adaptação do veículo ou da residência, etc.).

Lucro cessante:

Entende-se por lucro cessante a totalidade dos rendimentos perdidos, decorrentes de incapacidade temporária do lesado (baixa laboral), desde que fiscalmente documentáveis e, por outro lado, os benefícios patrimoniais que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

Danos Futuros:

“Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.” Art. 564º, nº 2 do Código Civil.
O pressuposto do direito de indemnizar contemplado no Código Civil exige a reparação dos danos presentes e dos danos futuros, desde que previsíveis.

Determinar o valor exato dos danos futuros, na verdadeira aceção do termo, não é possível.Por conseguinte, a jurisprudência apoia-se nos elementos que podem ser fiscalmente comprovados (rendimentos) com outros métodos de cálculo de natureza instrumental (fórmulas e tabelas legalmente reconhecidas) para apurar qual o montante indemnizatório equitativo.

A situação mais comum no âmbito de dano futuro é a perda de capacidade de ganho gerada por uma qualquer situação de incapacidade que afete a produtividade do lesado enquanto trabalhador, o que se traduziria numa perda económica de rendimentos ou maior penosidade na execução das suas tarefas profissionais.

Acidentes de viação graves até à alteração da portaria 377/2008 de 26 de Maio, pela portaria 679/2009 de 25 de Junho de 2009, só se considerava para cálculo do dano futuro, no âmbito da apresentação da proposta razoável por parte da seguradora, as incapacidades permanentes para a profissão habitual. No entanto, as alterações introduzidas pela nova portaria alargam o direito indemnizatório aos impedimentos provocados na atividade habitual, estendendo o direito de indemnização a pessoas que não exerciam nenhuma profissão à data do acidente.

A determinação do grau de incapacidade permanente para o trabalho é avaliada no âmbito da medicina legal, em concordância com a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

Tem sido entendimento da jurisprudência nacional que o dano biológico derivado da incapacidade geral permanente é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros Ac. STJ de 04.10.2007
Danos Materiais:

No âmbito dos danos emergentes estão inseridos os danos materiais, geralmente a reparação do veículo e pagamento dos objetos danificados por consequência do acidente (telemóvel, roupa, óculos, capacete, relógio, etc.). Apesar de ser uma das principais preocupações das pessoas que sofrem acidentes de viação, normalmente a reparação destes danos não suscita muitos problemas.

Entre os danos mais comuns estão a reparação do veículo ou indemnização pela perda total do veículo.

Entende-se por perda total de um veículo as situações em que a obrigação de indemnização tem de ser feita em dinheiro. Para isso, deverá verificar-se uma das seguintes hipóteses:

- O veículo desapareceu ou ficou totalmente destruído;

- A reparação é materialmente impossível ou não recomendável por terem sido afetadas as condições de segurança do veículo;

- O valor estimado de reparação, adicionado do valor do salvado (valor do que resta do veículo sinistrado) ultrapassar 100% ou 120% do valor venal (valor comercial do veículo), caso tenha menos ou mais de dois anos. Para os veículos com mais de 5 anos, a lei prevê uma majoração de 2% por cada ano de antiguidade acima dos 5 anos, até um máximo de 20%.

A indemnização por perda total do veículo corresponde ao valor venal do veículo à data do acidente, deduzido do respetivo valor do salvado caso este permaneça na posse do proprietário.

Sempre que a seguradora propuser o pagamento da indemnização com base no conceito de perda total, está obrigada a prestar os seguintes esclarecimentos ao lesado:

- Identificar a entidade que realizou a peritagem e avaliação do valor estimado de reparação;

- O valor venal do veículo no momento anterior ao acidente;

- A estimativa do valor do salvado e identificação de quem se compromete a adquiri-lo com base nessa avaliação.

2. DANOS NÃO PATRIMONIAIS:

Os danos não patrimoniais, ou danos morais, são, como o próprio nome indica, prejuízos de caráter pessoal e subjetivo que não são suscetíveis de uma avaliação pecuniária.

Como é facilmente compreensível, traduzir em dinheiro o abalo psíquico e emocional causado por um acidente de viação, o valor da angústia, da dor, do sofrimento, não é o mesmo que calcular os prejuízos económicos decorrentes de um sinistro.

Para determinar a compensação devida ao lesado por estes constrangimentos foram definidos critérios que estabelecem quantias mínimas e máximas para o dano sofrido.

Em termos de proposta indemnizatória, os danos não patrimoniais compreendem, nomeadamente, o quantum doloris, o dano estético e o prejuízo de afirmação pessoal, que são objeto de uma compensação económica com base na avaliação médica da gravidade do dano e os valores remuneratórios atribuídos pela jurisprudência em situações análogas. Estes danos são complementares, isto é, o lesado deve recebe r uma quantia por cada um dos danos e pelos restantes que não se inserem no âmbito dos danos não patrimoniais.

Quantum Doloris:
É uma escala que pretende quantificar a dor física e psíquica resultante não só dos ferimentos mas também dos tratamentos necessários, da angústia e ansiedade despoletadas pelas circunstâncias inerentes ao acidente de viação, como por exemplo, a necessidade de hospitalização e de o lesado ser sujeito a intervenções cirúrgicas, a consciência do risco de vida, o afastamento da vida familiar e social, a impossibilidade de seguir com as suas obrigações profissionais, etc.

O quantum doloris deve, por conseguinte, ser avaliado segundo estas duas vertentes, física e psíquica.

Contudo, a sua quantificação levanta inúmeras questões porque há pessoas com mais resistência à dor que outras, há pessoas que são capazes de superar com mais facilidade o stress pós-traumático, uma pessoa que tenha sofrido um acidente anteriormente poderá superar mais facilmente o segundo, etc.

A própria personalidade do lesado, as experiências anteriores e o contexto social do indivíduo influem na forma como o dano é percecionado e vivenciado por cada pessoa.

Se por um lado temos a subjetividade da dor por parte do lesado, por outro, temos a subjetividade do médico que avalia.

A portaria 377/2008 de 26 de Maio relativamente aos procedimentos obrigatórios de proposta razoável de indemnização de danos corporais decorrentes de acidentes de viação estabelece uma escala graduada de 1 a 7, sendo o valor mínimo considerado como muito ligeiro e o valor máximo entendido como muito importante. Em termos de proposta razoável de indemnização, só se consideram os danos a partir no número 4, correspondente a moderado.

Quantum Doloris Até (Euros)

Até 3 pontos Sem indemnização
4 PONTOS 800
5 PONTOS 1.600
6 PONTOS 3.200
7 PONTOS 5.200
Estes valores são meramente indicativos e correspondem às quantias mínimas exigidas por lei para cálculo da Proposta Razoável.

Prejuízo estético

Tal como o nome indica, o dano estético é todo o prejuízo causado na aparência física. Poderíamos inclusivamente intitulá-lo como a “ofensa à beleza ou ao estatuto estético” do sinistrado.

Tal como o quantum doloris, também o dano estético tem uma componente física e psíquica.

A vertente física corresponde às marcas visíveis infligidas no plano estético do indivíduo e a vertente psíquica corresponde ao desgosto e desilusão que o lesado sente por ter ficado com essas marcas.

Devem ser considerados também outros fatores para avaliar qual o prejuízo realmente causado. Uma cicatriz na perna de um homem pode não ter o mesmo “valor” que terá uma cicatriz na perna de uma mulher ou uma cicatriz na cara de uma jovem não será avaliada da mesma forma que uma cicatriz na face de uma pessoa de 80 anos, para dar alguns exemplos.

Por outro lado, o dano estético pode ser também um dano patrimonial sempre que esse dano interfira com o desempenho da atividade profissional do lesado.Uma modelo que tenha ficado com várias cicatrizes no corpo e entendendo que estas não podem ser reparadas mediante cirurgias plásticas, certamente a lesada não poderá continuar a trabalhar nessa área.

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