Nascimento
Homem-embrião
No óvulo igual
Nas águas turvas
Da gestação
Igual perenidade
Na estação
Da eternidade
Da alma
…Amar
Cala a voz a emoção
Invadida pelo ar
Na primeira respiração
No primeiro olhar
No despertar
Para a vida real
No grito
…Natal
MANUELA VIEIRA DA SILVA |
– Gostava de ser como tu… assim, tão desprendida – disse minha mãe.
Ou, então, também:
– Gostava de ser como tu, minha filha… dar a outra face... Eu não sou capaz – proferiu a olhar para o chão.
Estas duas frases acompanharam-me o resto da minha vida, e obrigara-me a pensar, em quase todas as atitudes e decisões da vida com os outros.
Serei mesmo desprendida?
Serei capaz de dar a outra face?
Veja bem minha mãe, quando lhe quero agradar, fazê-la feliz, invento alegria. Não porque sou alegre, sou até muito triste. Tão triste que a mãe nunca viu. Mais triste que a mãe alguma vez sentiu. Estou presa a mim mesma, presa ao chão em cada centímetro que piso, presa no meu egoísmo num canto só meu.
Ser triste é o maior apego em mim. É ser pequenina no sofrimento quando olho o espelho e não me reconheço na insignificância do meu tamanho.
Viver é nascer lentamente.
Deu-me a vida, mãe, tão depressa que não tive tempo de nascer. E é agora quase no fim da vida que sinto que o tenho de fazer.
Vê-la feliz traz-me alegria. E é a sua alegria que me anima. Dou-lhe alegria para me sentir feliz, ou para a fazer feliz a si? É que, quando não consigo, fico triste. É uma necessidade minha, e não sua, querer vê-la feliz, porque cai sempre no abismo no encontro de si, que tento a todo o custo que não aconteça, senão sou eu o abismo, incapaz , incompetente de trazê-la à vida, acabando num canto a chorar à distância para que não me veja.
Uso máscaras? Ou aprendi a transcender-me em qualquer altura, não mostrando as minhas fraquezas e vulnerabilidades, com as quais não sei lidar com os outros, porque são minhas, profundas. Quem precisa das suas forças para confortar os demais, não pode mostrar que também sofre como eles? Penso que não, a não ser que haja muita cumplicidade e muita confiança mútua. As pessoas apoiam-se naqueles que são mais fortes, supondo-se que têm sempre energia para si e para nós, uma vida suave e disponibilidade para todos.
Energia… Energia não tinha, respirava fundo e partia, e, ao tirar-lhe toda a carga negativa, esta renascia em mim em forma de primavera, feliz por vê-la alegre e com leveza.
Vida suave, disponibilidade… não tinha, deixava tudo para trás e corria ao seu encontro, sempre que o seu estado se agravava. E agora sinto-me vazia sem ter a mãe para cuidar, como se me faltasse uma parte de mim.
Um dia disse ao pai que não sabia viver só, para justificar a necessidade de voltar a casar. Mas é que não sei mesmo! Não sei viver para mim. Dei-lhe a si o que podia, continuando a viver procurando um sentido para a vida.
Dar a quem mais precisa apaixona-me, e dá-me o sentido da vida. Apaixonei-me por uma pessoa que me parecia precisar mais do que a mãe. Sou atraída inconscientemente pelo que é dependente e frágil. Uma pessoa, um bicho, ou uma planta, que precisam dos meus cuidados, da minha entrega.
Olho-me ao espelho e pergunto: porque não pensas só em ti, nos teus desejos?… e vejo-me de repente perante um vazio – não tenho desejos, nem exigências, nem sonhos. Vejo-me vazia se pensar só em mim. E chego à conclusão que sou a mais dependente e egoísta das criaturas.
Passeio no aroma do denso pinhal, deito-me no tapete de seco capim e vejo o abraço do sol colorindo de sombras cintilantes os troncos das árvores e as folhas que esvoaçam. Saúdo a vida e cresço em altura para lhe devolver o abraço. Um momento místico único. Invade-me a presença gloriosa de Deus e provo que Ele existe, sentindo a Sua plenitude. Uma paz redentora de união com o mundo que me devolve a harmonia com a humanidade, que não compreendo.
Esta plenitude já a havia sentido antes, várias vezes, num vasto campo coberto de primavera, que me dava pela cintura, ou numa montanha de humanos com alma de anjos que me envolveram nas suas asas e me elevaram tão alto que ainda não tive tempo de chegar à superfície da terra.
De cima tenho uma perspectiva privilegiada, o azul do mar comunicando em código cintilações às estrelas, nunca antes visto. Um clamor em uníssono das ondas calmas, preces indecifráveis, ou furiosos rugidos rogando mudanças. O sol ora dá ora tira e não se apercebe do que envia. O mar ora esvazia ora enche, abraça a areia e logo a despreza, e a lua obedece ao sol, provocando oscilações nos humores, alterando energias, cortando os fios comunicantes de partilhas, e a seguir repostos em nós interrompidos, que alteram todo o sentido.
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