LUÍSA VAZ |
Há cerca de uma semana, o Mundo assistiu à eleição de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos. Já tive oportunidade de falar sobre isso mas as repercussões que esse resultado está a ter impedem-me de abandonar o tema.
Olhando para os resultados qualquer pessoa que tenha acompanhado minimamente a campanha ou fica baralhado ou em pânico. Para além do racismo, da misoginia e todas as facetas que demonstrou especialmente ao longo dos últimos 18 meses, Donald Trump que assume no discurso de vitória uma postura mais conciliadora, tem com a líder da extrema-direita francesa e com o líder da extrema-direita inglesa as primeiras reuniões. O Ku Klux Klan (KKK) já afirmou que vai realizar uma “marcha de vitória”. Em pleno século XXI quem é que acharia semelhante alarvidade possível?
Ao ser questionado por uma conceituada jornalista norte-americana no 60 Minutes e conforme vão sendo conhecidos os perigosos nomes do seu “establishment”, sim, desenganem-se porque Trump também o tem e se bem que à sua maneira particular, também o defende, sobre o porquê de ter chamado lobbistas para ocupar os cargos, com um sorriso a sua resposta é: “ E quem não é?”
Onde está o homem anti-sistema? Onde está o homem que rasgou todas as convenções, que é a cara do insulto aos seus oponentes e da ameaça latente? Afinal que anti-sistema é este que tem atrás de si o KKK, as petrolíferas, as farmacêuticas e mais um sem-número de interesses corporativistas?
Há quem considere Trump como sendo muito inteligente. Eu considero que ele tem dinheiro para contratar e ser assessorado por pessoas muito inteligentes e peritas em golpes publicitários. Qualquer individuo de raça negra que não consegue ascender na escada social acha muito bem que o seu futuro Presidente afirme que vai acabar com a pobreza e que vai criar postos de trabalho. Também concorda em género, número e grau com ele quando afirma que vai renunciar ao salário do cargo, que a Constituição prevê que o mínimo que pode receber seja um dólar por ano e que será isso que receberá. Certo, o senhor tem fortuna própria e não precisa dos 400 mil dólares. Poderá até ser considerada uma atitude nobre mas o facto de ele ter o KKK nas suas fileiras de apoiantes, os maiores perseguidores de negros, isso não diz nada a esse votante imbuído de espírito de mudança? Será que os eleitores só retiveram a parte que lhes interessou do discurso?
Isto já para não falar dos 52% de mulheres brancas e de outros tantos números. O discurso de Trump venceu e convenceu. Deu força aos movimentos nacionalistas europeus, fala-se até da possibilidade de a Holanda sair da EU e a Inglaterra continua a tentar resolver o imbróglio que Cameron criou com o Referendo do Brexit.
O Mundo está de cabeça para baixo. As pessoas querem mudanças e a mesma América que votou em Obama em busca do Messias, vota agora no misógino e racista Trump. Como é que isto é possível?
Quem vai assumir a Presidência dos Estados Unidos? O empresário que vai baixar os impostos aos ricos – e como tal a si mesmo e portanto pode bem prescindir dos 400 mil dólares/ ano – ou o cidadão revoltado com o “establishment” que quer prender toda a gente, construir muros e virar as costas à NATO porque quer isolar o seu pais e não quer gastar dinheiro público com os aliados mas prefere investi-lo em infra-estruturas?
Este modelo roça o socialismo se formos a ver pois o crescimento da Economia não assenta na criação de emprego pelos privados mas na redistribuição de dinheiros públicos em investimentos do Estado. Assenta aliás e como estamos a ver no favorecimento do Corporativismo.
A quem vai Trump tentar agradar? Aos negros ou ao KKK? Vão marchar lado a lado em Nova York quando o Sr. Presidente frustrar as expectativas de ambos?
Que América é esta que passa do Obamacare – um programa de difícil implementação para proteger os mais pobres – para a hipotética saída da NATO, o abandono dos Tratados Internacionais, o desrespeito pelo clima e pelas alterações climáticas, para a oligarquia?
Onde termina o homem de negócios déspota e começa o cidadão preocupado? Que sinais é que isto envia ao Mundo? Que repercussões vai isto ter na Europa daqui a menos de 6 meses? Como podem cidadãos que defendem a Social-Democracia perfilar ao lado deste senhor e afirmar que Portugal precisava de um exemplar destes?
Será o discurso de Trump tão desconexo que cada um ouve o que quer e interpreta como melhor lhe convém?
E a comunicação social que está habituada a ser fazedora de opinião e viu que de nada serviu andar a denegrir o individuo? Como ressurgirá? Os grandes interesses que a detêm estarão de que lado? Juntar-se-ão também a Trump e continuarão a fazer campanha contra ele? Foi a comunicação social que perdeu, foi o cidadão eleitor que ganhou ao não se deixar influenciar ou perderam ambos para que o Presidente eleito pudesse entrar na esfera a que ainda não pertencia? Quais serão os custos deste resultado e quem os pagará? O Sr. Presidente eleito alinhará por qual dos discursos? O do ódio ou o da concórdia? Como se portarão os seus escolhidos no desempenho dos cargos se a cada nome que sai na imprensa se gera mais uma onda de medo? Como reagirão os gigantes económicos a este pseudo-isolacionismo americano? A América ficará para sempre fracturada? Que portas é que esta amoralidade abre? Onde ficam os limites da Educação, da Civilidade, da Coerência?
São tantas as interrogações e para já não se vislumbra nenhuma resposta que não gere desconfiança ou até medo. Se ainda não assumiu o cargo e já vai assim, como será depois de 01 de Janeiro de 2017?
O Mundo está virado ao contrário e é preciso parar para pensar nas consequências das nossas escolhas individuais porque elas influenciam o todo. Não podemos, ou não devemos, continuar a “assobiar para o lado” porque a porta que foi aberta com a ascensão deste senhor permite-nos ver monstros bastante escabrosos.
Reflexão, dialogo, ponderação e reestruturação precisam-se com urgência.
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