quarta-feira, 9 de novembro de 2016

RESTAUROS DESTRUTIVOS

PEDRO MÁXIMO
A palavra restauro pode ter algumas interpretações diferentes dependendo de quem e em que circunstâncias a usa, no entanto, esta palavra implica sempre uma ação de alteração do estado atual de algo. Na sua forma mais simples o restauro implica a reparação ou intervenção preventiva sobre um objeto.

Um restauro pode ser aplicado sobre os mais variados objetos, desde monumentos nacionais a pequenos objetos como fotografias. Usualmente restaurar algo implica recuperar o estado passado de um dado objeto e como tal à primeira vista podemos logo concordar com a sua importância e aplicabilidade. O calcanhar de Aquiles do conceito de restauro torna-se notório quando a recuperação implica uma alteração de tal forma que o objeto restaurado perde propriedades originais ou aquelas que eram consideradas intrínsecas a este. A título ilustrativo, vários exemplos podem ser dados desde restauros considerados muito invasivos até restauros que são usualmente mais aceitáveis. Entre os restauros inaceitáveis está uma gama que altera por completo as propriedades básicas de um dado objeto. Restauros como o o caso espanhol da pintura “Ecce Homo” de García Martínez ou então do castelo de Mantrera são exemplos típicos de restauros com profundas alterações daquilo que é original. O primeiro caso, refere-se ao mediático restauro de Cecilia Guiménez, uma amadora de 81 anos que ao tentar restaurar uma pintura de Cristo alterou por completo a obra de arte levando este trabalho a um mediatismo sem precedentes. O segundo caso, não menos importante refere-se ao castelo Mantrera localizado em Cádiz, Espanha, no qual o restauro levou a uma alteração completa da estrutura medieval criando um impacto visual extremo levando o visitante a indagar-se se não se trata de uma estrutura do período moderno em vez de um castelo medieval. Em ambos os casos são introduzidos materiais e técnicas estranhas ao objeto original que o tornam muitas vezes irreconhecível. Pode-se ainda questionar sobre a aplicabilidade do termo vandalismo tanto para o caso do castelo como do para o caso da pintura. Com a aplicação do termo vandalismo, a abordagem de restauro torna-se num assunto filosófico isto porque em todo o tipo de restauro se vai retirar a forma atual de um objeto para lhe dar outra qualquer forma. Porque não então perguntar se não serão todos os restauros um ato de vandalismo? Tomemos outro edifício como exemplo, o templo de Diana em Évora. Este templo que hoje existe como sendo o melhor exemplo de um templo romano em Portugal teve durante muitos anos a sua estrutura clássica quase totalmente oculta por construções medievais. O templo reconstruído na época medieval desempenhou várias funções até que no século XIX se procedeu ao restauro do templo com a demolição de todas as estruturas à exceção daquelas que eram originais da época romana. Hoje em dia os visitantes podem admirar uma estrutura clássica do período romano, contudo o restauro do seculo XIX foi realizado sem qualquer tipo de consideração pelas estruturas medievais existentes. Deveremos sempre restaurar objetos e edifícios consoante o seu estado original inicial? É difícil achar um equilíbrio entre o que deve ser mantido num restauro e aquilo que terá de ser removido e destruído. E qualquer que seja a resolução final esta estará sempre ligada aos valores da sociedade de uma determinada geração. Para uma sociedade do seculo XIX o tema da ruína insere-se perfeitamente nos padrões do romantismo e como tal a destruição de estruturas de períodos mais recentes é justificada pela criação de uma ruína romana do século I. Já em relação aos padrões ocidentais atuais, a alteração de uma qualquer estrutura com demolições e uso de novos materiais ainda é algo que cria choque. Esta é talvez a razão para que restauros como o castelo Mantrera criem uma enorme polémica e crítica. Não defendendo nem refutando qualquer um dos casos mencionados penso que uma qualquer intervenção em grande escala deverá sempre ter em atenção as populações envolvidas e os valores que se desejam preservar com o ato de restauro. Um restauro poderá preservar certas características como também eliminar outras sendo o equilíbrio um termo muito difícil de encontrar.

Sem comentários:

Enviar um comentário