segunda-feira, 28 de novembro de 2016

BANDIM - ONDE TUDO ACONTECE

CRÓNICA DE JOANA BENZINHO
O mercado do Bandim, nas portas da cidade de Bissau, é uma explosão de cor e de gente a fervilhar de manhã à noite, sete dias por semana.

Desde romper do dia até às oito da noite, quando o breu já não deixa vislumbrar o que quer que seja com muita nitidez, tudo se compra e vende neste mercado. Tecidos, legumes, interruptores e extensões, animais, sapatos, carne e peixe, peças de automóveis, roupas, sapatos novos ou usados e tudo, mas mesmo tudo o que possa valer algum dinheiro para os magros orçamentos familiares das famílias guineenses. As mulheres chegam bem cedo de manhã, com os filhos nas costas amarrados no bambaram e por ali ficam até ao cair da noite, procurando esconder-se do sol enquanto tentam escoar os seus produtos.

Durante o dia, os fiscais da Câmara demonstram a sua autoridade com uma pequena verdasca, retirando das ruas os vendedores que não pagam taxa camarária e que, ao verem-nos chegar, rapidamente se põem em fuga com os seus pertences embrulhados num pano, até encontrarem outro canto onde abrem de novo a loja de rua.

Assim se passam os dias no Bandim, com ruas e ruelas de lojas sempre por descobrir, mesmo para um visitante mais assíduo e muito lixo acumulado no chão ao fim de cada dia de feira.
Ali há a rua dos sapatos, a praça dos legumes e peixes, a rua dos tecidos, a secção do material de electricidade e mecânica, dos materiais de construção, há os talhos onde chegam as peças de carne a retalho num carrinho de mão, frequentemente seguidos por alguns cães a ver o que lhes calha em sorte. Mas há também a secção das camas de ferro, dos marceneiros, dos colchões e, claro, das mercearias a granel como o arroz, o açúcar ou o leite em pó, ao lado dos ovos vendidos à unidade nos saquinhos das pipocas.

Passear neste espaço caótico mas profundo e profícuo em cheiros, cores e texturas, transporta-nos para um mundo muito diferente deste nosso ocidental, e deixa-nos completamente rendidos. Mas engane-se quem pensa que ali tudo é permitido. No mercado do Bandim há regras, há autoridade, mesmo que não seja formal, há solidariedade e há sobretudo ética. Esta semana, uma tentativa de roubo prontamente denunciada pela senhora com uma magra banquinha de dois ou três tomates, meia dúzia de cenouras e umas folhas de mandioca, quase acabava em linchamento. O rapaz foi cercado por dezenas de vendedores e clientes que escandalizados com a ousadia do roubo, o agrediram sem contemplações e sem dar ouvidos aos que, como eu, assistiam horrorizados a tal cenário de violência contra alguém indefeso no chão. Dizia-me a “bidera" (vendedora típica da feira de Bissau) que me estava a vender peixe que é assim que se resolvem as coisas e se punem os erros e os roubos no mercado e até em toda a Guiné. No burburinho que percorria o mercado percebia-se que o choque era maior por se tratar de um jovem de etnia Fula, gente que não rouba, segundo a mesma “bidera”.

Mas com escrevi acima, a autoridade funciona no Bandim e um vendedor mais “graduado” daquela secção determinou o fim do martírio a que aquele rapaz com ar miserável foi sujeito durante intermináveis minutos e mandou parar tudo. Assim foi. O jovem levantou-se azamboado e claramente magoado, pediu desculpa pelo roubo a quem o quis ouvir e foi levado para a polícia.

O mercado do Bandim voltou rapidamente à sua agitação saudável habitual e eu voltei para casa com um misto de emoções. Espantada com a espontânea reacção colectiva para punir com violência um crime cometido contra um dos seus, mas de certa forma orgulhosa por ver que os princípios, a ética e a moral vivem em cada rua de Bissau ou do seu mercado do Bandim. Vivem essencialmente no povo bom da Guiné-Bissau.

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