MÓNICA AUGUSTO |
Quem passou pelo processo de doutoramento ou mestrado sabe o quão conturbado este pode ser. Muito para além das dificuldades inerentes à própria investigação, a própria vida pessoal e o estado de espírito sofrem grandes alterações.
Ao longo do processo passamos por diferentes fases, umas marcadas por um ânimo e vontade incomensuráveis, outras pelo desespero e desgosto. Começamos por achar que a temática escolhida é de extrema pertinência, que vamos alcançar uma descoberta tão significativa que pode mudar o rumo da ciência. Com o passar do tempo, o cansaço e as dificuldades inerentes passamos a achar que o tema que escolhemos não faz grande sentido, que não vamos trazer nada de novo e, no limite, que o que nos propusemos fazer é, na verdade, inexequível.
Apesar de todo o apoio que possamos encontrar junto de colegas e sobretudo orientadores, a investigação é um processo solitário que obriga ao estabelecimento de regras, métodos e horários de trabalho rígidos. Por este motivo, as implicações na vida pessoal são profundas: deixamos de ter tempo para inúmeras tarefas, todo o tempo parece dever ser aproveitado para nos debruçarmos sobre a nossa investigação que, afinal, durante meses, anos parecer ser o nosso objetivo de vida. Os momentos que deveriam ser de lazer são cada vez menos e ainda assim, pautados por pensamentos sobre “a tese”, da nossa mente brotam constantemente novas ideias, que é preciso anotar para depois desenvolver. Quem nos rodeia certamente apercebe-se que a s nossas conversas têm sempre um denominador comum, que constantemente tentamos explicar a todos o que estamos a fazer e tentamos convencê-los da pertinência da nossa temática. Visto à distância de quatro anos, percebo que realmente não deve ter sido fácil para os que comigo convivem... Muitos dos convites que nos fazem são declinados porque.... “tenho a tese”, e nada parece ser mais importante.
Os desânimos próprios, as dificuldades, as inversões no percurso, parecem afetar-nos em todas as componentes da nossa vida, abalam-nos e levam-nos a pensar que não vamos conseguir. Na verdade, são ultrapassados e o sentimento de vitória faz-nos acreditar novamente nas nossas capacidades.
Depois das leituras, da recolha da informação, do cruzamento de dados, chegados à fase da escrita, creio que todos sentimos que esta não flui e ficamos absortos por considerarmos que todo o trabalho feito até então parece não ter feito sentido algum. Na verdade a escrita acaba por se tornar uma fase muito interessante, o problema reside mesmo em começar e não podemos esquecer que até à conclusão do trabalho podemos levar a cabo todas as alterações necessárias. Não podemos pensar que o que vamos escrever será imutável até ao final. Com esta segurança o processo de escrita é facilitado.
Quando terminamos a sensação de alívio é grande, mas uma outra fase igualmente preocupante se avizinha... “o dia da defesa”. As nossas vidas parecem ficar em suspenso até esse dia... o nervosismo acentua-se a cada dia que passa e ao relermos o nosso texto para preparamos a defesa pensamos que não está nada bem, que deveríamos ter feito de outra forma. Felizmente não há tempo a perder e não há a possibilidade de alterações nesta fase, caso contrário, quantas faríamos? Imensas, na maioria desnecessárias.
Finalmente o grande dia, o culminar de meses, anos de estudo e trabalho. As inseguranças afloram-se, o medo invade-nos, “e se tenho uma branca?” “e se não consigo falar?” “e se chego atrasada?”. O ambiente parece hostil, na verdade não é, todos os membros do júri passaram pelo mesmo e certamente estão solidários, mas uma simples palavra de apoio, tão natural neste dia, parece-nos a palavra mais simpática que alguma vez ouvimos. Depois de começarmos a nossa apresentação o tempo voa, respondemos às questões quase mecanicamente, algumas delas deixam-nos aborrecidos, faz parte. E algumas horas depois passou, passou tudo... É curioso como os dias seguintes são um misto de alívio de vazio, alguém me disse em tempo que se assemelhava quase a uma depressão pós-parto... deve ser. Mas não são só os dias, são os meses, às vezes até os anos seguintes, além do alívio e do vazio, passamos para o estranho sentimento de não fazer muita questão de retomar, ou até de sequer olhar para o fruto do processo que tanto esforço nos tomou.
Aos que estão a desenvolver a sua tese ou dissertação deixo o meu testemunho pessoal, não pretendo que seja um testemunho derrotista, embora refira essencialmente as vertentes menos boas, mas pelo contrário, pretendo, de alguma forma, tranquilizar e aquietar os desassossegos e desânimos, são normais. As fases e pensamentos negativos fazem parte do processo, não significam que não vão conseguir, creio que todos passamos por eles, não podemos achar que estes são um problema só nosso que nos vai incapacitar. Em cada fase de incerteza lembremo-nos do ânimo inicial, se procurarmos bem ele continua lá.
Sem comentários:
Enviar um comentário