ARTUR COIMBRA |
Mais que por conhecimentos científicos ou opiniões fundamentadas, os portugueses vêem o mundo através do que poderemos apelidar de achismo. É uma atitude democrática e pluralista: todos têm direito a proclamar “eu acho” sobre toda e qualquer questão. E exercitam essa prerrogativa perante os assuntos mais comezinhos como ante os maiores enigmas da humanidade. São um pouco um Marcelo Rebelo de Sousa de trazer por casa ou levar para a rua, obviamente antes de ser sufragado Presidente da República, em que continua a achar tudo sobre todas as coisas, como se não conseguisse despir a pele de comentador e vestir a de Supremo Magistrado da Nação (logo, da Contenção)….
Não há limites para o achismo – nem de conteúdo, nem de forma. Como também não há local inapropriado para o achismo: tanto se manifesta no seio familiar, ao almoço, entre uma garfada de bacalhau frito e um copo de carrascão, como no passeio público, entre os amigos da bisca lambida ou na assembleia-geral da colectividade de cultura e recreio.
Os portugueses são, porventura, os reis do achismo. A lavradeira entra no autocarro, com um frango em cada mão, em direcção à feira semanal, e decreta, peremptoriamente, para a passageira do banco, ao lado os males do mundo: “isto está pela hora da morte, eu acho que já ninguém endireita esta porcaria”. A circunstancial vizinha do lado, no mesmo tom resignado, responde por idêntico diapasão: “eu também acho, isto está cada vez pior”.
O achismo é geralmente muito fluente em matéria politica: todos têm opinião sobre o dia-a-dia do país e, designadamente, sobre as medidas dos governos. Uns acham que António Costa está bem onde está, outros que Passos Coelho é que lá deveria estar, embora não tenha conseguido a maioria minoritária no Parlamento.
O achismo também vai ao futebol e dispersa-se por todos os campos, avaliando criteriosamente o trabalho das equipas de arbitragem. “Eu acho que foi penalti”, reclama um adepto mais fervoroso. “Pois eu acho que não; foi é um grande teatro do avançado”, responde o adepto do lado esquerdo. A que aduz um adepto do lado direito, “eu acho que não foi uma coisa nem outra. Foi uma grande falta de jeito”.
O achismo sabe de tudo e opina sobre tudo: desde as batatas que não estão bem cozidas aos acidentes de trânsito, da meteorologia (“eu acho que vai chover”) à apreciação dos desfiles de moda (“eu acho que as modelos andam muito vestidas”).
O achismo é naturalmente saudável; pelo menos, mostra que os portugueses não estão mortos, nem apáticos perante o que se passa à sua volta.
Não sendo de esquerda, nem de direita, é ambas as coisas e o seu contrário. O achismo é a consolidação da diversidade de pontos de vista, como convém no sistema democrático: há os que gostam do vermelho, outros ao amarelo, outros do azul, outros do verde, outros do laranja, outros de coisa nenhuma.
O achismo expressa opiniões, pontos de vista, gostos pessoais, comportamentos, desabafos, mundividências.
Ainda bem que o achismo anda por aí, nos transportes públicos, nos cafés, nos mercados, nas ruas da cidade ou nos caminhos das aldeias, nos estádios, nos jornais, na televisão. E cada vez mais nas redes sociais, onde tudo se faz e se desfaz, tudo se acha e desacha, tudo se constrói e se destrói, tudo se “gosta” e se “desgosta”.
É absolutamente, para o bem e para o mal, o triunfo da voz pública, da praça pública, com ou sem razão, com pertinência ou impertinência, que, de todo o modo, se impõe respeitar e ter na devida conta.
Não fora de alguma forma o achismo, pelo menos como começo de análise e que lugar haveria para o cronista que vai debitando periodicamente o que acha do que se vai passando em seu redor?
Achista me confesso!...
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