PAULO FERREIRA |
A inesperada vitória de Donald Trump tem feito correr tinta quanto baste. Muitas são as teorias que tentam justificar a opção do eleitorado norte americano. Há quem atribua o resultado de Trump ao demérito da candidata democrata e há quem entenda que foi a situação económica e social em que vivem milhões de cidadãos norte americanos, que potenciou o veredito popular. Naturalmente que o perfil do candidato republicano e o seu discurso anti sistema, não devem, neste ponto, ser descurados. Mas aquilo que perpassa de praticamente todas as análises aos resultados eleitorais que tenho lido, é que a maioria esmagadora dos eleitores de Trump votou, convictamente, neste candidato republicano. Ou seja, ao colocarem a cruz no boletim de voto, os americanos assumiram a defesa das polémicas propostas do agora Presidente eleito, designadamente a criminalização do aborto, a deportação de imigrantes, a construção do inenarrável muro junto da fronteira com o México, ou o incumprimento das metas ambientais assumidas internacionalmente.
Pois bem, sem prejuízo de uma importante fatia do eleitorado poder subscrever tais medidas, a verdade é que quem deu a vitória a Trump foram os americanos moderados, da classe média e profundamente magoados com a ausência de políticas tendentes a mitigar as brutais consequências da globalização. Infelizmente, nos EUA e no resto do mundo, os últimos anos têm sido liderados pela oligarquia dos famosos mercados. Sem as respostas necessárias por parte do establishment político, os eleitores americanos decidiram dar um murro na mesa e dizer basta. Claro está que pensar que todos os que votaram Trump defendem e/ou acreditam ser possível colocar em prática a maioria das propostas do agora novo Presidente americano, é o mesmo que considerar os cidadãos dos EUA uns meros mentecaptos.
Por terras do Tio Sam, mas também na nossa velhinha Europa, o povo desespera por uma política de valores e de compromissos. Lá, como cá, os cidadãos exigem o regresso de líderes políticos moderados, tolerantes e empenhados numa verdadeira regulação dos mercados. Infelizmente, na grande maioria dos países, esse regresso tem sido sistematicamente adiado. O voto em candidatos outsiders, como Donald Trump, mais não é do que um derradeiro e desesperado SOS.
Claro está que, tendo em conta a nossa escala, Portugal, isoladamente, nada poderá fazer contra a proliferação de resultados eleitorais similares aos norte americanos. No entanto, os últimos dados divulgados, quer em termos de crescimento económico, quer em termos de contas públicas, são um importante sinal de confiança. Afinal é possível atingir algumas das metas que os mercados tanto gostam, sem que para tal seja obrigatório reduzir salários, aumentar impostos de forma cega ou liberalizar despedimentos. O exemplo deste primeiro ano do governo de António Costa merece ser estudado com especial cuidado. Ninguém esconde as enormes dificuldades que o país ainda atravessa. Mas mesmo com uma Comissão Europeia ostensivamente instrumentalizada pelos ditames agiotas, a verdade é que o governo português conseguiu atingir a meta do deficit, aplicando um conjunto de políticas diametralmente opostas às exigidas pelo Sr. Wolfgang Schäuble e pelas principais agências de rating. Que estes resultados em Portugal possam servir de inspiração também lá fora. O povo e a democracia agradecem.
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