quarta-feira, 16 de novembro de 2016

DIVERSIDADE CULTURAL

RUI SANTOS
Ao falar-se de diversidade cultural deve ter-se presente o conceito de herança cultural. Vasco Graça Moura define-o como «o conjunto de elementos que permitem a um determinado grupo reconhecer-se como portador de uma identidade própria e comunicar ao longo do tempo, quer no interior desse grupo quer, pela marcação de uma diferença, para fora dele» (Moura 2013: 38). A herança cultural de cada povo, na opinião de Moura, diz respeito à língua materna e à família a que aquela pertença, assim como ao património cultural material e imaterial, aos costumes e tradições. Também as condicionantes impostas pela história, pela geografia e pelo clima contribuem decisivamente para a carga cultural que uma etnia carrega nos seus ombros. Esta herança cultural é detentora de uma dimensão espiritual e antropológica, relacionada com valores humanos identitários, éticos, estéticos, afectivos e outros (Moura 2013: 38). Como será fácil de intuir, a herança cultural varia de cultura para cultura. As formas aceites de comportamento contrastam frequentemente, e de um modo radical, com aquilo que as sociedades ocidentais consideram “normal”. De acordo com Anthony Giddens, «Processos como a escravidão, o colonialismo, a guerra, a migração ou a globalização contemporânea, levaram a que populações iniciassem processos de migração e se instalassem em novas localizações. Tal conduziu à emergência de sociedades que são culturalmente mistas, ou seja, a sua população é constituída por um determinado número de grupos de diferentes origens culturais, étnicas e linguísticas» (Giddens 2010: 24).

Quando se fala de diversidade cultural não só se fala das diferenças culturais existentes entre as pessoas, como a linguagem, usos e costumes e tradições, mas também da forma como as sociedades se organizam, a sua conceção da moral e da religião, etc. A diversidade de culturas é encarada muitas vezes como uma ameaça, e outras como uma oportunidade que abre novos horizontes sobre a dimensão humana e sobre a sua capacidade criadora. Pode ser vista como um elemento perturbador ou como um fator de enriquecimento, ou seja, pode ser vista como um foco de tensões e conflitos ou como uma fonte estimulante de descobertas.

A diversidade cultural foi alvo de atenção na 31ª Conferência Geral da Unesco, realizada a 2 de novembro de 2001 na cidade de Paris. Os 185 Estados presentes na reunião aprovaram por unanimidade a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural que constitui um instrumento, uma base, para a comunidade internacional lidar com as questões referentes à diversidade e ao diálogo intercultural. Este documento considera que a diversidade cultural é um património comum da humanidade, incentiva o diálogo intercultural e o multiculturalismo como formas de garantir um desenvolvimento harmonioso das sociedades.

A globalização que hoje se vive, facilitada pelo rápido desenvolvimento das novas tecnologias da informação e da comunicação, apesar de constituir um desafio para a diversidade cultural, cria as bases necessárias para a existência de um diálogo renovado entre as várias culturas e as civilizações.

Conforme se pode ler no art.º 5 da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural: «Toda a pessoa deve poder expressar-se, criar e difundir as suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda a pessoa tem direito a uma educação e a uma formação de qualidade que respeite plenamente a sua identidade cultural; toda a pessoa deve poder participar na vida cultural que escolha e exercer as suas próprias práticas culturais, dentro dos limites que impõe o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais» (UNESCO 2002: 3). Além disso, o art.º 6 da mesma Declaração refere que a diversidade cultural deve estar acessível a todos para que todas as culturas se possam dar a conhecer: «A liberdade de expressão, o pluralismo dos meios de comunicação, o multilinguismo, a igualdade de acesso às expressões artísticas, ao conhecimento científico e tecnológico – inclusive em formato digital – e a possibilidade, para todas as culturas, de estar presentes nos meios de expressão e de difusão, são garantias da diversidade cultural» (UNESCO 2002: 3-4). 

Um outro documento intitulado Agenda 21 da Cultura foi aprovado a 8 de maio de 2004, em Barcelona, por cidades e governos locais de todo o mundo. Os signatários comprometem-se a respeitar e a promover os direitos humanos e a diversidade cultural, assim como a sustentabilidade e a democracia participativa, tendo como fim a paz. Nele pode ler-se: «A diversidade cultural é o principal património da humanidade. É o produto de milhares de anos de história, fruto da contribuição colectiva de todos os povos, através das suas línguas, imaginários, tecnologias, práticas e criações. A cultura adopta formas distintas, que sempre respondem a modelos dinâmicos de relação entre sociedades e territórios. A diversidade cultural contribui para uma “existência intelectual, afectiva, moral e espiritual satisfatória” (Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, artigo 3), e constitui um dos elementos essenciais de transformação da realidade urbana e social» (Agenda21Culture 2002: 3). 

O respeito pela diversidade das culturas, pela tolerância, pelo diálogo e cooperação, em clima de confiança e de entendimento mútuos, estão entre as melhores garantias da paz e da segurança internacionais. No entanto, Castles alerta para o facto de nem todos os grupos étnicos lidarem da mesma forma com a diversidade cultural, «Processos de diferenciação assentes nas classes, na raça, no género e no estatuto legal dão origem a complexas hierarquias de privilégio no seio das cidades globais. Certos grupos – tanto locais como imigrantes – têm a possibilidade de se guindarem a posições de elevados rendimentos, estatuto e poder, enquanto outros têm de se ficar pelos trabalhos sujos, difíceis e perigosos, ou são pura e simplesmente excluídos do mercado de trabalho» (Castles 2005: 87).

Torna-se importante apostar na educação como forma de ultrapassar as dificuldades de relacionamento com o «outro», isto é, incorporar no sistema de ensino outras formas de pensar, de estabelecer pontes entre diferentes identidades culturais.

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Leitura de apoio:

Agenda21 Culture (2008): “Agenda 21 da Cultura”. Disponível em http://www.agenda21culture.net/index.php?option=com_content&view=article&id=44&Itemid=58&lang=pt
Castles, Stephen (2005): Globalização, Transnacionalismo e Novos Fluxos Migratórios. Lisboa: Fim de Século.
Giddens, Anthony (2010): Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Moura, Vasco Graça (2013): A Identidade Cultural Europeia. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.
UNESCO (2002): “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural”. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf

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