quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

ELOGIO À VIDA [1981-2016]

LUÍSA VAZ
Muitas vezes preocupamo-nos demais em entender “o mundo lá fora”, o Mundo grande, o das personalidades, dos acontecimentos, dos políticos e esquecemo-nos do tão importante “nosso pequeno Mundo”.

Nesse nosso pequeno, grande, Mundo há pessoas, há sentimentos, há ilusões, há sonhos, há desilusões, medos e traumas. Há caos e ordem, há esperança e desalento, há força e medo, há alegria e há tristeza e nós muitas vezes para não encararmos tudo isto preferimos ocupar-nos com “o mundo lá fora”.

Não raras vezes, quando resolvemos “olhar para dentro” ou “olhar à volta” é tarde demais. As pessoas que pensávamos que estariam sempre lá deixam de estar, as vozes deixam de se ouvir, as gargalhadas deixam de soar e sobram as lágrimas, o pesar, o arrependimento por não se ter tido “mais cinco minutos”, “por não nos termos despedido” ou por não termos dado aquela palavra que se calhar era necessária, era necessário que a disséssemos e era necessário ao Outro ouvi-la. Mas o Tempo é padrasto e dá-nos a sensação de imortalidade, de que vamos estar cá para sempre.. Até ao dia em que tudo colapsa como um castelo de cartas.

Ver partir gente nova “com um futuro pela frente” nunca é fácil principalmente quando a via escolhida não é a natural mas cada vez mais essas atitudes se passam com pessoas próximas de nós. Pessoas de tal forma boas, amigas, honestas e cheias de esperança num Mundo melhor que acabam por ser boas demais para este e acabam por não aguentar a pressão e optam por escolher a sua hora de partir. Se para elas já é tarde e não encontram sentido em cá estar, para quem fica havia sempre uma solução, havia sempre tempo, havia sempre oportunidade para mais um encontro.

É sempre doloroso para quem fica ver boas pessoas partirem “cedo demais” mas eu prefiro fazer um Elogio à Vida. Eu prefiro sentir-me abençoada por ter tido o melhor que essas pessoas tinham para dar, as conversas inteligentes, os sorrisos, as brincadeiras, as gargalhadas, o carinho, o respeito, a companhia, os convívios, as discussões divertidas por divergências de opinião.

Persiste em quem fica uma sensação de impotência, uma sensação de que se podia ter feito mais, dado mais atenção. Não sei se é justo ou se é somente sentimento de culpa por não termos conseguido evitar ou por nem termos tentado ou não termos estado atentos por estarmos ocupados a viver a nossa vida, coisa a que aliás temos direito.

Hoje optei por fugir à minha linha e por verter no papel estes pensamentos para que o que ontem se passou fique positivamente marcado de alguma forma. A saudade vai diminuir, as recordações vão esfumar-se com o passar do tempo mas quando é verdadeiro o brilho no olhar e o sorriso franco, ele fica tatuado na nossa memória até sermos velhinhos.

O que me leva a partilhar estas considerações prende-se com a perda de um Amigo. Um Amigo que não era de ocasião, era para todas as ocasiões, um Ser Humano que apesar das suas falhas não desconsiderava ninguém, não faltava com a palavra dada, não falhava com o Amigo, que tinha um coração enorme e acima de tudo era humilde e grato, era verdadeiro mesmo quando não era simpático porque algo não lhe agradava mas tratava sempre com gentileza e carinho todos os que para si eram importantes. Uma pessoa que sonhava com um Mundo melhor, que não tolerava injustiças nem faltas de verdade. Que podia ser acusado de muita coisa mas nunca de falta de carácter. Era festivaleiro e gostava de se divertir, não o negava nem o escondia mas buscava incessantemente a tranquilidade e a paz que a Vida insistia em não lhe proporcionar se não de uma forma aparente e aleatória. Um espírito que tinha tanto de lutador como de angustiado por não encontrar respostas aos seus questionamentos e às suas dúvidas. Que não percebia como é que se as coisas eram simples dentro da sua cabeça não o podiam ser no “mundo cá fora”.

Cada vez mais homens jovens que se consideram desenquadrados e não se fundem com esta sociedade desajustada às expectativas de quem cresceu noutra época e com outros Valores e Princípios resolve partir no seu próprio tempo escolhendo formas mais ou menos violentas. Cabe a quem de uma ou outra forma se consegue enquadrar nesta sociedade, neste Mundo em constante transformação e mudança, estar atento aos sinais e tentar que não percamos mais jovens que apesar de falarem outra linguagem têm muito para ensinar ao mesmo tempo que têm a coragem de admitir que têm muito que aprender, assim tivessem quem os ensinasse quanto mais não fosse a adaptarem-se a este turbilhão em que tudo é vivido ao segundo e com um prazo de validade demasiado curto, demasiado efémero.

Como nenhum de nós sabe quando vai chegar a sua hora eu deixo aqui um pedido: não tenhamos medo de dizer que gostamos ou não gostamos, não deixemos para amanhã a palavra, o sorriso, o carinho, a gratidão. Não deixemos para Amanhã a demonstração do quanto os outros nos são queridos, do quanto gostamos da sua companhia, da sua conversa porque o Amanhã pode não chegar e não devemos deixar nada por dizer ou por fazer, eu opto por não deixar.

E neste caso eu sei que sabias. Eu sei que não deixamos nada por fazer ou dizer, o bom, o mau, o óptimo e o péssimo – não, não houve péssimo. Houve anos de Amizade e de partilha de risos e estórias que vão ficar na minha memória guardadas num cantinho com muito carinho.

Obrigada por teres existido.

Obrigada por teres insistido.

Obrigada por teres sido a pessoa fantástica que foste e por me teres permitido partilhar tanto do teu pensamento e da tua pessoa.

Obrigada por me teres permitido em algum momento fazer parte da tua Vida que embora curta, demasiado curta, foi cheia de histórias e pessoas, de emoções e canções.

Devíamos aprender com o povo africano e cantar em vez de chorar quando alguém parte porque o Inferno ou o Purgatório são aqui e daqui só vamos para um sítio melhor e por isso eu celebro a Vida, e os momentos e as memórias que ficam ao som de Pearl Jam porque Marylin Manson já se torna demasiado agressivo.

Num registo quase pessoal opto por nesta crónica quinzenal te fazer um Elogio, não fúnebre mas à Vida que viveste. Pode não ter sido a que escolheste mas foi a que te foi permitida viver e tu fizeste-o com classe e graciosidade, sempre com um brilho no olhar e um sorriso nos lábios e no fim da história, quando se chega à última página e se faz um rewind de tudo o que se leu e se viveu, são essas imagens marcantes que ficam da mesma forma que eu entendo que estas linhas devem ficar marcadas para a posteridade.

Um brinde à Vida!

Um brinde a Ti!

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