FERNANDO COUTO RIBEIRO |
De vez em quando, morremos e continuamos vivos.
Estar morto é uma coisa muito confortável, custa um bocado enquanto não nos habituamos à dor e ao frio da cova, mas depois aprendemos a fingir, e fica tudo muito mais fácil – assim como quem vive numa fotografia. A grande vantagem é que ninguém espera muito de um morto.
Os dias passam devagar, e como quem ensaia a eternidade, deixamos de contar os dias e as noites e, numa atitude de sustentabilidade, gastamos muito pouco oxigénio na ausência de atribulações e inquietações. O coração quase não bate e os pulmões não enchem o peito.
Depois, há pessoas que existem para cuidar dos mortos que não vão a enterrar. São cuidadoras serenas, vizinhas que existem para se preocupar com as almas penadas que caminham solitárias. Inventam mil desculpas para bater à porta, e depois mais uma, para que possam entrar.
Ficam a conversar coisas de mortos num aborrecimento tenebroso que, por vezes, se despe e se aproveita dos corpos que os transportam. Fazem amor como se fosse amor, e adormecem-se nos braços um do outro para que possam fingir os tempos em que eram e existiam vivos.
Existe um acordo tácito de nunca falarem de quando estavam vivos e muito menos da hora da morte. É mais fácil não falar, é mais seguro não pensar – assim não se compromete a morte de ninguém. Mas, nós não vivemos para estarmos vivos?
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