CARLA LIMA |
Na minha modesta opinião a solidariedade deveria prevalecer durante todo o ano e não aparecer “à força toda” só na época natalícia. A bondade, o respeito pelos outros, os valores, os sorrisos, um abraço ou uma palavra amiga deveriam estar sempre presentes e não uma vez por ano, só porque estamos “todos felizes” e com “carinhas parvinhas” a andar pela ruas ou pelos centros comerciais, cheios de sacos de compras e a cantarolar músicas natalícias.
O Natal é também a festa da Família. Os preparativos para o Natal começam logo no início do mês de Dezembro, sendo a construção do presépio uma das tradições açorianas mais importantes. Além de representar o nascimento de Jesus, também tenta reproduzir a localidade onde se vive e cenas do quotidiano, com os materiais “próprios” dos Açores. Por exemplo, utiliza-se musgo fresco para imitar os montes e musgo seco para a cobertura dos telhados das casas, as ruas e pequenas estradas são feitas em bagacina vermelha vulcânica e as figuras são de barro, normalmente pintadas à mão. Em alternativa ao presépio, é também costume montar o altar do Menino Jesus, que se dispõe sobre a cómoda do quarto principal da casa.
PRESÉPIO TÍPICO DOS AÇORES |
A minha família também costumava fazer lindos presépios, até termos um gato. Acho que qualquer pessoa que esteja a ler isto e tenha gatos percebe exactamente aquilo que estou a dizer…!
Algumas pessoas fazem presépios tão grandes e tão bonitos que são abertos ao público. Lembro-me de em criança visitarmos todos os anos um presépio que ficava numa casa na Ribeira Grande e era “mágico”, porque grande parte das figuras “mexiam-se”.
Também é normal enfeitar-se a casa e os presépios com tigelas ou vasinhos de ervilhaca ou de trigo, que são semeados no feriado do dia 8 de Dezembro.
A árvore de Natal, costume de origem pagã que foi assimilado pela nossa cultura, tornou-se também uma tradição desta quadra, sendo no passado enfeitada com tangerinas e laranjas e mais tarde com postais de boas festas que vinham das terras de emigração açoriana, como os Estados Unidos e o Canadá. De lá vieram depois bolas de várias cores e umas tiras brilhantes. E só mais tarde vieram as luzinhas.
Em criança, a escolha da “árvore perfeita” (criptoméria ou pinheiro) era uma autêntica missão feita em família. E o enfeitar da árvore era único! A minha irmã, sendo mais baixinha naquela altura, enfeitava a parte de baixo. Eu e a minha mãe enfeitávamos a parte do meio. E o meu pai, com o escadote, enfeitava a parte de cima. A desconexão das cores e das fitas sempre tornou a nossa árvore especial e única!
Tenho muita pena que hoje em dia a criptoméria ou o pinheiro tenham sido substituídas por “horrorosas árvores brancas ou douradas de plástico” que mais parecem adereços de discotecas…Porque o seu aroma dava uma sensação de conforto e de “quentinho” misturado, claro, com o cheiro das comidas.
No Natal, a mesa é mais abastada, mesmo nas casas mais pobres. Nos meios rurais, era costume matar-se o porco nesta época, que “garantia” uma fartura de comida para a casa. Em relação à doçaria popular era costume servir-se sobre uma alva toalha algumas das seguintes iguarias: figos passados, massa sovada, arroz doce, suspiros e laranjas.
Não faltavam também os licores caseiros. Mandava a tradição que houvesse sempre licores, de leite, tangerina, café, e outros sabores, para oferecer na véspera da missa de Natal a quem vai de casa em casa e pergunta: “O Menino mija?”. Infelizmente este costume está-se a perder e só se mantêm em algumas freguesias. É “pena”, porque era uma tradição que para além de juntar amigos e família, fazia com que as pessoas fossem mais “alegres” para a Missa do Galo, que só começava à meia-noite. No final da Missa era e ainda é costume em alguns sítios beijar os pezinhos da imagem do Menino Jesus. A questão que fica no ar é se as pessoas que foram antes da Missa ao “Menino mija” acertam nos pezinhos…
“Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de continente a continente…E será Natal para sempre!”
Carlos Drummond de Andrade
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