MARIA AMORIM |
Nos tempos que correm tudo tem de ser imediato, a impaciência tomou conta das pessoas em geral, e esta alia-se muitas vezes a um sentido egoísta de que tudo nos é devido, que somos o centro do universo. E, na realidade, nada é assim, nada nos é devido, temos de fazer por merecer e lutar pelas coisas que queremos para nós. Continuamos a viver num mundo com os outros e para os outros, em que a solidariedade e a partilha têm que existir para fazermos deste um mundo mais justo e melhor. Isto serve para todas as circunstâncias, inclusivamente quando estamos doentes e temos que nos dirigir a um serviço de urgência.
Claro que é sempre complicado pedir a quem está doente que pense nos outros, porque quando estamos doentes estamos fragilizados e menos dispostos à generosidade, temos pressa que nos despachem e nos assegurem que o que temos não é grave. Um serviço de urgência é muitas vezes caótico e uma provação para a nossa paciência. Nesta época ainda pior, pois são muitos os idosos e os menos idosos a quem o frio faz adoecer. Convivo diariamente com situações tensas e muitas vezes de conflito geradas por esta falta de paciência, de solidariedade e de partilha, no meu local de trabalho, que é um local de dor e angústia para muita gente, e em que a impaciência leva por vezes algumas pessoas a serem injustas, sobretudo quando desconhecem as regras pela quais se rege um serviço de urgência. Consigo entender que quem recorre à urgência, frequentemente é porque não tem alternativa, e pequenos males, facilmente resolvidos noutro lado, são a maioria das vezes fonte geradora de situações desagradáveis. Quem tem de esperar mais por uma consulta é aquele doente cuja doença não é prioritária no atendimento, independentemente da idade ou do grau de dependência.
Por todas estas razões penso que é importante falar sobre o sistema que permite, no meio enorme do fluxo dos doentes, distinguir os que podem esperar daqueles para quem a espera pode ser fatal. Pois é exatamente disso que se trata, evitar que a espera numa qualquer urgência seja fatal ou acarrete danos para a vida toda. Todos nós temos ou ouvimos histórias de há já muito tempo atrás, em que alguém morreu no corredor, ou numa sala de espera, aguardando uma consulta que chegou tarde demais, pois o atendimento era feito por vez de chegada. Este foi o motivo principal para o surgimento do sistema de triagem para os serviços de urgência, um sistema que permitisse triar os doentes de acordo com a prioridade exigida pelo seu estado de saúde.
Então, o que é afinal a Triagem de Manchester? Não é mais do que um sistema de triagem de prioridades que se baseia num protocolo clínico que permite classificar a gravidade da situação de cada um dos doentes que recorre ao serviço de Urgência.
Como enfermeira, tenho ouvido muitas vezes algo que é totalmente falso, uma ideia que algumas pessoas têm que são os enfermeiros que escolhem a cor da pulseira a atribuir ao doente, do tipo “ a Enfermeira que está hoje só dá pulseiras verdes”. Nada mais incorreto pois o enfermeiro limita-se a seguir um fluxograma de entre os 52 existentes, o qual escolhe perante as queixas que o doente apresenta. Escolhido o fluxograma, vai colocando perguntas específicas ao doente e a partir das respostas que este fornece, chega a um discriminador que lhe permite determinar a prioridade clinica e, consequentemente, a cor da pulseira a atribuir. Neste sistema, o que é efetivamente importante é o motivo que leva naquele momento o doente à urgência, a principal queixa que apresenta, há quanto tempo, a sua intensidade. Nenhum profissional está na triagem para fazer diagnósticos, mas para rapidamente estabelecer a prioridade do atendimento, de forma a que as situações mais graves sejam atendidas com mais rapidez.
No sistema de triagem de Manchester existem 5 cores de pulseiras:
- A pulseira vermelha que classifica o doente como EMERGENTE, entrando esse de imediato na sala a que se destina, sendo o tempo de espera de 0 minutos.
- A pulseira laranja que classifica o doente como MUITO URGENTE, entrando para uma sala interna onde será observado, sendo o tempo de espera até 10 minutos.
- A pulseira amarela que classifica o doente como URGENTE, sendo o tempo de espera até 1 hora.
- A pulseira verde que classifica o doente como POUCO URGENTE, sendo o tempo de espera de 2 horas.
- A pulseira azul que classifica o doente como NÃO URGENTE, podendo o tempo de espera ser até 4 horas.
O que é certo, é que na realidade os tempos de espera são, quase sempre, superiores ao previsto, bastando para isso que haja um numero mais elevado de doentes laranja, ou que entre um doente vermelho, ou então que o afluxo seja anormalmente elevado. O tempo de espera dos doentes não se deve a uma má atribuição de cor da pulseira, mas sim a falta de pessoal nas equipas médicas, pois as equipas são fixas, haja muitos ou poucos doentes. Claramente que o doente não tem culpa, os profissionais também não, aqui é que entra a capacidade de cada um de respeitar o outro, seja o que está doente, seja o que esta a trabalhar e a capacidade de ser paciente. O sistema de triagem cumpre o propósito para o qual foi criado, o que falha normalmente deve-se a equipas médicas com alguma escassez de pessoal, que leva a que não seja possível o atendimento de tanta gente em tempo útil.
No entanto, gostaria de ressalvar a importância que tem o sistema de triagem, pois permite priorizar os doentes evitando que situações mais graves passem despercebidas. Este sistema não é rígido, e é sempre possível retriar doentes com prioridades menores quando, enquanto esperam, as queixas se agravem. Podemos dizer que o sistema de triagem é uma garantia de segurança para os doentes e se tornou uma mais valia imprescindível para quem trabalha na Urgência.
Quando a paciência se esgotar porque o tempo de espera é longo, talvez pensar que alguém esta a lutar para sobreviver, nos ajude a esperar com menos impaciência.
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