HELDER BARROS |
Vivemos uma época em que a hipocrisia atinge níveis superlativos. Já nem a mentira se diz mentira: é a pós-verdade. Mais uma vez vamos ser invadidos por mensagens, de amigos e conhecidos, em maior número dos últimos, pois os primeiros estão em extinção, com promessas de paz e de amizade eternas, quando ao longo do ano, andamos todos de costas voltadas e sem por em prática os nobres sentimentos difundidos em mensagens que, de tão repetidas, começam a ficar banalizadas, não havendo já, sequer, paciência para as ler. Mas que vai ser uma torrente de palavras bonitas, avulsas ou não, com promessas vãs e de falsas esperanças, isso é garantido. Quais concursos de beleza, em que as jovens concorrentes, manifestam que o principal objetivo das suas vidas é curar os doentinhos, acabar com a guerra, fome e com a pobreza, quando, no seu dia a dia, o que importa é a sua vidinha de veludo em que vivem confortavelmente, à conta das suas carinhas e dos seus belos corpinhos, com que a natureza as dotou.
Desde tempos imemoriais, que o Natal foi considerado a Festa da Família, mas, atualmente, disso só restam alguns resquícios. Vivemos agora no Natal, uma autentica Festa Comercial, qual feira das mentiras e da lei das compensações. Os humanos altamente desumanizados, enfiam-se em grandes centros comerciais, e, compram putativas doses de ternura, afeto, carinho e amizade, em forma de bens que ficam rapidamente obsoletos e que fazem parte das modas urbanas, designadamente gadgets tecnológicos, conferindo uma sensação ilusória de satisfação de todas as necessidades humanas.
Não é tudo mau, claro está. Em termos comerciais, espera-se vivamente que as pessoas comprem e consumam em excesso, que desperdicem em comidas que ninguém vai aguentar comer, tal o fartote de iguarias e de doces. Adquiram brinquedos aos chineses que, para a sua produção tratam miseravelmente os seus operários, se não é mesmo de escravatura de que estamos a falar. Encham os centros comerciais, onde parece que a vida se multiplica tal o frenesim de humanos que correm desesperados por resgatarem a essência da vida, em compras de bens que, jamais, poderão responder à insatisfação da essência humana. Que vamos dar ao Pai? …à Mãe? …à Avó? …à Tia? …ao Primo? – perguntam eles desesperados. Qual o bem material que poderá substituir o peso das nossas consciências, enegrecidas pela falta de verdadeiros valores humanos?...
E parece que se vão realizar alguns jantares de solidariedade com grupos de sem-abrigo, onde haverão prendas, até, para os pobres infelizes. Vamos assim comprar também os que nada possuem, alguns por nada quererem e que até consideram que, são mais felizes assim... Vamos todos dizer que vai ser um Natal mais justo, para todos sem exceção, mas o Natal, embora se considere que é sempre que um homem quiser, passa depressa e não dura muito. Esta quadra não pode ser apenas uma redenção das consciências, um conjunto de desígnios e de ideias positivas para a humanidade que, na prática, nunca se tornarão reais ou efetivos.
Apesar do excelente, corajoso e desafiante Ministério do Papa Francisco, existem zonas de guerra, como na Síria, onde se mata de forma indiscriminada, como se a vida humana não tivesse valor intrínseco. Cidades são devastadas, destruídas e as pessoas formam massas de seres migrantes que são tratados como lixo. Pessoas são colocadas em contentores flutuantes que atravessam o mediterrâneo, algumas são despejadas borda fora, ou porque estão mortos, ou muito doentes, ou porque sim. Os que sobrevivem são alojados temporariamente em refúgios humanitários, onde vão vivendo como animais, sempre à espera que alguém os alimente, ou que lhes dê abrigo temporário, pois uma nova pátria e uma nova vida, é difícil. Mas, para eles, também vai ser Natal.
Os peixes e aves marítimas, morrem empanturrados de plásticos que nós continuamos a enviar para o mar em quantidades massivas, assim como lixo e poluição de toda a espécie, que possamos imaginar. O clima mundial aquece de forma irreversível, as geleiras glaciares derretem inapelavelmente e de forma muito mais rápida que, até os cientistas mais pessimistas, podiam supor, levando a que o nível do mar suba rapidamente, para níveis inimagináveis. As catástrofes climáticas ocorrem em escala muito superior, ao que era comum há umas décadas atrás. O homem deixará uma pegada ecológica muito marcada no planeta. No futuro, só seres microscópios poderão viver no caldo químico em que o homem transformou, inexoravelmente, o planeta azul. Na sua ambição desmedida, o homem criou um conforto artificial durante as ultimas décadas de consumo e abuso dos recursos naturais, até ao esgotamento e degradação natural dos mesmos. Principalmente na Europa e América do Norte, os anglo-saxónicos, foi um fartote, com o mundo subdesenvolvido a levar com que a lotação humana do planeta fosse em crescendo até aos sete biliões. Gente a mais, degradação acelerada do ecossistema global, produção de alimentos insuficiente e altamente manipulada pelos caprichos do mercado, só poderá resultar em mais miséria, guerra, fome e epidemias.
Tudo aponta para que estejamos a viver um fim de ciclo qualquer. Os populistas começam a vencer eleições de forma preocupante, pelo mundo inteiro, com destaque para as grandes potencias, em que homens sem preparação académica e humanista, governam autênticos arsenais nucleares que tudo podem reduzir a pó. A morte saiu à rua em forma de ataques terroristas inopinados e cruéis. Em países como a Síria, por exemplo, a morte é uma coisa banal, ao jeito dos tempos da idade média. Os sonhos e quimeras da geração de sessenta, redundaram numa descentralização do homem dos seus valores essenciais. O muito esperado viver para o ser, deu lugar a um desesperado viver para o ter. Penso que já não há esperança em viver o Natal verdadeiro, mas teremos, por certo, um incandescente Natal artificial.
Esta não é, infelizmente, uma crónica pessimista, pois está estribada nos dados que com a realidade nos inunda constantemente, na espuma dos dias que correm. Apesar desta marcada desesperança, Bom Natal para todos, afinal estamos aqui a assistir às exéquias fúnebres da humanidade.
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