CRÓNICA DE JOANA BENZINHO |
Na Guiné-Bissau as festas e feriados são vividos de uma forma muito particular, fruto da sua diversidade religiosa, social e cultural.
Num país de cariz predominantemente animista, a população reparte os credos entre islamismo (quase 50%), o catolicismo (cerca de 12%) e outras religiões de menor expressão.
O Natal que agora celebramos, apesar de apenas ter significado espiritual para uma minoria da população, é vivido por todos sem excepção. Nem que seja pelo facto de ser feriado. Com a particularidade de os feriados na Guiné-Bissau que são ao sábado ou ao domingo serem habitualmente celebrados no dia útil seguinte.
O mesmo se passa com os dias sagrados do islamismo, como o Eid al-Adha ou festa do sacrifício em que no mundo muçulmano se mata um carneiro para partilhar com a família, amigos e os mais pobres e que é para esta comunidade a celebração mais importante do ano ou o Eid al Fitr, o dia festivo que marca o fim do Ramadão. Qualquer um destes feriados é religiosamente celebrado por todos os guineenses, sejam eles ateus, animistas, crentes neste ou naquele Deus.
Mas saindo da religião e deixando de parte os feriados nacionalistas ou ligados à luta de libertação que apelam obviamente ao lado mais emocional de cada guineense, de referir o primeiro de maio, dia do trabalhador, em que a festa ganha contornos como nunca vi em mais nenhum país. Os preparativos desta festa começam dias ou semanas antes. Se alguns nos pedem a "festa" na estrada ou nos sítios públicos - uma
gorjeta para ajudar às celebrações do dia do trabalhador com um pouco de vinho de caju - outros agarram na família ou amigos e partem para um
piquenique ou uma ida à praia.
Em Quinhamel, a 50 km da capital, as praias de mangais enchem-se de jovens e menos jovens, e na estrada de acesso à praia assistimos a verdadeiros engarrafamentos e extensas romarias a pé com a lancheira aos ombros e o djambé para um dia bem animado. Também o areal da praia de Varela, a quase 5 horas de Bissau, fica completamente repleto e a festa faz-se de dia e também pela noite dentro.
É irónico que num país onde é altíssima a taxa de desemprego, nomeadamente jovem, se vibre tanto coma celebração deste feriado que celebra a luta dos trabalhadores. O dia é encarado com tanta seriedade que deixo aqui uma pequena história que para mim foi reveladora. Em 2014, com um grupo de amigos, decidimos limpar a área circundante de uma escola nos arredores de Bissau que estava imunda e as crianças brincavam entre dejectos vários e lixo domestico acumulado, paredes meias com o recreio. Para fugir ao calor fomos bem cedo e munidos de mascaras, pás e carrinho de mão, fizemos à vontade uns 30 ou 50 transportes de lixo para um local em que depois procedemos a uma queimada.
Umas crianças que ali estavam a observar-nos ofereceram-se prontamente para dar uma ajuda mas, dos três ou quatro adultos presentes, nada. Estranhámos e um dos elementos do nosso grupo provocou um dos "mirones" perguntando porque não nos dava uma ajuda dado que até leccionava naquela escola. A resposta não se fez esperar. Nem pensar em trabalhar no dia 1 de Maio! Perante tal resposta e esvaziados de qualquer argumento continuamos o nosso trabalho.
Porque assim se vivem os feriados na Guiné-Bissau. De alma e coração.
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