MANUEL DAMAS |
Até porque falamos de Portugal que, com quase 900 anos de história, 92.090 Km2 de território, quase 11 milhões de habitantes e uma imensidão de mar, considero ter um papel a cumprir, ainda hoje, nesta aldeia global e uma palavra a dizer sobre o futuro da Humanidade.
Por tudo isso e muito mais, defendo que este espaço geográfico, detentor de um património histórico, humano e cultural, merece ser respeitado.
Por tudo o acima exposto e inclusive pela responsabilidade histórica da sua existência, o papel dos portugueses passa, prioritariamente, por uma reengenharia de comportamentos da população. Mas deverá ser um processo de aprendizagem, efetivo, consistente e estruturado, refletido, relativamente ao modo de pensar e, acima de tudo, de agir. Assim, neste contexto, permito-me parafrasear Saramago quando afirma que “o fim de uma viagem é apenas o começo de outra” e que “é preciso recomeçar a viagem sempre.”
E é essa, talvez, a nossa maior omissão.
Recomeçar a viagem.
Portugal ainda não recomeçou a viagem, no sentido da modernidade, mas tenho esperança que um qualquer dia a inicie...
É imperioso que assim seja, até por uma questão de justiça para com o passado histórico português.
Portugal precisa de voltar a viajar!
Portugal merece voltar a viajar!
Já não numa qualquer Nau Catrineta, mesmo que modernizada.
Talvez já não a dar novos mundos ao Mundo, mas a dar um novo mundo a si próprio.
Todos sentimos que, para o rumo em que esta Europa se parece encaminhar, poderá surgir o dia em que rebente uma nova revolta dos descamisados, talvez a nível global e então poderá surgir uma outra realidade, ainda que com todos os perigos que os atos revolucionários, de massas, desencadeiam…a História mantém, escritos, os relatos sangrentos de todos estes fenómenos, verdadeiros cortes epistemológicos, como diria Gaston Bachelard.
E a Modernidade pode tornar-se assustadora…
E Portugal continua, ainda, muito longe da verdadeira Modernidade!
Também porque esquecemos, muitas vezes ou quase sempre, a diferença abismal entre ser moderno e estar moderno.
Nós, portugueses, podemos estar mais modernos, seja lá o que isso for.
Mas não somos modernos e não o seremos nos próximos anos.
Porque temos receio do desconhecido, da novidade ainda que, contraditoriamente, invejemos a dita Modernidade que outros usam e da qual, por vezes, abusam.
Falta-nos tanto caminho para percorrer!
Falta-nos coragem.
Falta-nos espaço.
Espaço e vontade de querer e de crer.
Principalmente porque para querer é preciso força e coragem e, para crer, é necessário acreditar.
E os portugueses não sabem acreditar...também e principalmente por medo.
E tudo isto efetivado por este País que se quer e julga ímpar.
Talvez o seja, realmente, mas não em qualidade, certamente.
E isso ilustra a nossa forma de ser e de estar.
Na essência acredito que, como povo, temos imensa qualidade...apenas a mesma se encontra coberta, recoberta e encoberta por densas camadas, estratificadas, como que reportando à Teoria Tectónica das Placas, que impedem e inibem o acesso ao núcleo...à verdadeira qualidade em ser português.
Por vezes parece que temos “um vago medo de viver”, como refere José Gil. E eu atrevo-me a alterar para “um vago medo e falta de coragem”, porque considero diferentes, na essência, o medo e a falta de coragem. Principalmente dispares em termos de gradação. Para mim o medo é mais forte e intenso do que a falta de coragem...
O medo é mais pesado, mais inibidor.
Se a falta de coragem atrasa, o medo impede.
Como eu dizia, exijo mais e melhor para Portugal!
E não cumpro, assumo-o frontalmente, os requisitos para ser considerado um daqueles “Velhos do Restelo” que fizeram história e a própria História se encarregou de denegrir.
Por mais difícil de acreditar que vos possa parecer...Tenho muito orgulho em ser português!
Detesto, todavia, a forma que a maioria adota de o ser!
E o que é inacreditável é que cada um de nós acha que o é, de forma original, quando os modelos estereotipados se repetem, consoante os clãs, sociologicamente definidos, estruturados e caracterizados.
São as nossas pequenas e domésticas contradições.
Mas as nossas cicatrizes passam, também, pela nossa forma de portugalidade. Principalmente nós, portugueses...eternos insatisfeitos, ainda desgostosos por termos perdido a influência mundial conquistada com os Descobrimentos.
Foi um dos nossos momentos de glória universal, assumo-o, mas deixem-me que vos diga...Já passou tanto tempo que considero obsceno que ainda nos agarremos a isso, em todo e qualquer momento, de forma doentia.
A portugalidade tem que ser mais, muito mais!
O ato de ser português merece-o.
Sim, nós, povo envergonhado da sua própria existência, como se, permanentemente, tivéssemos a necessidade e a obrigação de pedir desculpas ao mundo por um dia termos tido a ousadia de existir.
E isso marca, em definitivo, o nosso modo de ser e de estar.
Crescer e mudar, na senda da evolução.
Continuamos, como povo, a tentar viver e, acima de tudo, sobreviver, de lembranças, da glória do passado.
Persistimos eternamente presos ao fado, sempre chorado, sempre sangrado, sempre sofrido.
Mas também ao xaile, inevitavelmente preto, como se de luto tivesse que ser a nossa existência.
Reconheço que são símbolos iconográficos de um povo que se fez País...mas acabam por ser usados como argumento e desculpa para quase tudo e é, já, exagero.
Permanecemos, ainda hoje, estacados no areal, contemplativos e nostálgicos, receosos de ver os outros partir, aqueles que, lá no fundo, invejamos por terem tido outra coragem, que não a nossa, que nos acorrenta a este quintal lusitano.
Achamos que sabemos e podemos criticar tudo e todos mas não aceitamos nem sabemos lidar com as críticas que nos fazem. Principalmente porque achamos que destrói a imagem supostamente imaculada que tentamos projetar para o exterior.
E o português não sabe coexistir com a crítica.
Prefere exercê-la, a recebê-la.
Acima de tudo falta-nos a coragem para tentarmos ser felizes, também como povo!
Porque será que continuamos a ter medo de nos considerarmos um povo igual aos demais?
Sim, porque nós, neste canto luso, consideramo-nos obsoletos e demonstramo-nos internacionalmente submissos. Essa postura é até visível quando, fascinados por um qualquer estrangeiro que nos visita, tentamos a todo o custo falar o seu idioma quando, noutros países, a “praxis” é que quem chega tente arranhar, da melhor forma possível, a linguagem nativa...
E não me venham com a argumentação de que essa é uma das características dos bons anfitriões.
Lamento, mas ser bom anfitrião não é sinónimo de ser submisso ou sem identidade. Uma coisa é saber gerir a realidade vigente e outra, bem diferente é, de forma submissa, perdermos a identidade, pervertermos o eixo axial.
Só mesmo nós, portugueses, envergonhados por pertencermos a este triste e escuro canto luso, é que nos submetemos, nos tornamos irritantemente servis, perante o que nos fascina...Para nós o que vem de fora, sinónimo de estrangeiro é, só por si, superior e, como tal, invejável...
Enfim…
Portugalidades.
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