sexta-feira, 19 de agosto de 2016

SEXUALIDADES E MODA

MANUEL DAMAS
Hoje decidi escrever sobre Sexualidades e Moda, áreas que, aparentemente distantes e distanciadas estão, na realidade, profusamente interligadas.

A Moda é, sem tergiversações, um dos contextos em que os estereótipos mais se perpetuam. Principalmente porque os modelos, que os há em Portugal, são obrigados a seguir estereotipias evidentes, cansativas e asfixiantes.

Mas a fauna dos modelos dicotomiza-se, de forma ambígua, também pelo género.

Elas, obrigatoriamente altas, sempre magras, quase anoréticas ou bulímicas, nitidamente estereotipadas, pouco sorridentes. Em contexto de trabalho a expressão torna-se, então, rígida, antipática, fria e frígida, distante.

Eles, com muito cabelo, quase sempre demasiado cabelo, meticulosamente despenteados, aparentemente desleixados, magros também, quase nunca sorridentes, inegavelmente incomodados.

Em uníssono todos parecem dormentes, letárgicos, cansados apenas por existirem.

E multiplicam-se os rasgões na roupa, outrora símbolos de pobreza, agora elevados a imagem iconográfica.

Este tipo de ambiente é definido como “fashion”.

É toda uma mística grupal, de tribo, de clã, elevada ao exagero.

Mas é, também, todo este cenário, de plástico, que ajuda a perpetuar os mitos, com pés de barro, sempre exibidores do mesmo sorriso-esgar, cumprindo, escrupulosamente, todos os estereótipos.

E toda esta encenação atrai, fascina e deslumbra os jovens, porque sinónimo de suposto estrelato, desejado, invejado, inatingível, principalmente para aqueles que estão fora do círculo íntimo. É o inalcançável, com que todos sonham, muitas vezes por falta de maturidade e de ideais. São os 5 minutos de glória que os palcos supostamente propiciam, a almejada janela de oportunidade, uma porta aberta para o sucesso, ainda que, a maior parte das vezes, seja uma abertura…para o nada. E não nos podemos esquecer que um dos itens que a Pirâmide de Maslow das Necessidades configura é a apreciação pelos pares, enquanto geradora de auto estima.

Tudo isto sucede porque vivemos numa Sociedade despudoradamente plástica, já o afirmei e reafirmo.

Vivemos numa Sociedade em que somos confrontados, constantemente, com estereótipos que os media vendem à exaustão, inatingíveis, hiperpresentes, condicionando, em permanência, todas as nossas vivências, a nossa forma de ser e de estar, implicitamente de pensar e de amar.

Somos reféns da tirania do “perfect body and no mind”.

E a angústia do inatingível tortura-nos, em permanência.

É o mito da perfeição que utilizando, sabiamente, todos os nossos sentidos, condiciona ferozmente os nossos procedimentos, atitudes e ideais. E isso reflecte-se, de modo perverso, nas nossas relações, na janela da nossa afectividade.

Até porque estamos em plena era do World Wide Web, rapidamente simplificado em WWW, em que o amanhã se torna hoje e vertiginosamente ontem, transmutando as certezas em probabilidades e logo depois em inverdades e esta velocidade vertiginosa tudo condiciona, incluindo as vivências afectivas.

Também por isso a época é de incertezas, senão de contradições, gerando um elevado potencial de insegurança. Como tal existem as máscaras, que todos criamos, utilizadas consoante o contexto, a fase e o momento e, sem elas, ficamos frágeis, expostos, desnudos, reais. E a Modernidade não se compadece com fragilidades…

E tudo o acima exposto justifica a realidade irreal em que vive a Moda.

Digamos, a título de desculpabilização, que a culpa é da Sociedade…mas a Sociedade somos todos nós.

Assim sendo, porque continua a Moda a ser pensada e feita apenas para alguns? Com que direito?

É que a grande maioria da população, nomeadamente em Portugal, não cumpre os estereótipos que a Moda impõe.

Não somos todos, definitivamente, altos, bonitos, perfeitos.

A Moda deveria democratizar-se e, acima de tudo, tornar-se mais realista, devendo assumir o objectivo inclusivo.

Onde pára a Moda para os obesos? A obesidade é, já, um problema de Saúde Pública, em Portugal, pelo grande contingente de pessoas que afecta, principalmente entre os jovens, ainda que haja um evidente incómodo, por parte das entidades oficiais, quando esta questão é equacionada.

Onde pára a Moda para os Velhos? Os tais que a Publicidade e o Marketing teimam em ignorar por, aparentemente, não serem um público sedutor em termos financeiros visto estarem oficialmente desvinculados laboralmente e, como tal, não parecerem ter fundo de maneio suficiente para se tornarem um público alvo atraente.

Onde pára a Moda para os deficientes, principalmente os físicos? É esta maldita relação de incomodidade e distanciamento que a Sociedade portuguesa tem com a deficiência, quase parecendo ter medo do contágio. A deficiência é coitadificada, em Portugal, mas quase nunca por culpa das vítimas.

E o grave problema, principalmente em termos de Cidadania e de Identidade é que os três grupos referidos existem, são reais, têm direitos, inclusive a comprar e a vestir segundo a Moda, principalmente porque são cidadãos e, acima de tudo, são pessoas.

Pessoas com direitos plenos…e seguir a Moda deveria ser um deles, inalienável.

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