sábado, 4 de novembro de 2017

Yves – O PINTOR DO AMOR

PEDRO PAULO CAMARA
Na ilha, há quem pinte Amor. Talvez neste pequeno espaço de terra de pouco mais de 746 km2, os sentidos e os sentimentos estejam à flor da pele e ostentem significativas formas de manifestação frequentes. Poder-se-á, até, afirmar que há vulcões espelhados por entre os distintos tons de verde que caminham, pé ante pé, ora entre o nevoeiro, ora entre o perfume a enxofre expelido, prontos e disponíveis para uma qualquer erupção afetiva.

Na ilha, nem sempre é fácil amar! Não é! Os seus limites impõem-se, por vezes, algumas, sobre a forma de olhares inquisidores, sorrisos maliciosos, dedos incriminatórios, sussurros curiosos, e tantas outras mesquinhezas humanas pouco dignificantes, dignas, todavia, de qualquer espaço – em que os sujeitos ainda olhem – e de qualquer de qualquer tempo. Há, porém, aqueles que resistem e que não se coíbem de expressar afeição, dedicação, entrega…

Na ilha, existe um herói atento, de olhar eloquente e curioso, sem capa, que espalha Amor! Yves Decoster, artista plástico multifacetado, belga radicado na ilha de São Miguel desde 1988 é o seu nome. Não usa máscara, também! Vemo-lo como é. Conhecemo-lo como é, por aquilo que é. Desde 1991 que expõe frequentemente no arquipélago peças dotadas de originalidade, sentido e sentidos, nas quais o corpo e a alma se expressam e se espraiam, numa simbiose perfeita. É o Ser individual, dotado de sensibilidade, que se revela e se desnuda, por vezes, na íntegra, sem subterfúgios ou véus.

Mas não é dos seus quadros que queremos falar. É, isso sim, do Amor, ou, melhor dizendo, de corações. De corações, perguntarão? Sim, de corações. Mas quantos corações, então, terá Yves? Muitos! Não existe forma possível de escapar-lhes, tal como não é possível, lá de vez em quando, nem que seja uma vez na vida, abrir as portas ao Amor. Seja residente ou visitante, os corações que Yves pintou – e pinta – nas esquinas, nas fachadas, nos muros brancos, nos mirantes abandonados, nas casas envelhecidas que contam histórias espalhadas pela ilha real, de socalcos basálticos e escoadas lávicas, invadem o olhar e convidam à reflexão. Cada coração pintado, representado, apresenta as suas singularidades. Talvez representem as diversas formas de amar. Talvez representem as diferentes formas de Amor. Talvez existam para relembrar o humano-máquina do quão importante será render-se aos afetos. Na verdade, os corações de Yves, com as suas cores vibrantes e envolventes, com as suas nuances e certo toque de encantamento, materializam essa abstração que parece andar perdida, ou esquecida, ou adulterada, ou morta, até, no interior de cada um. Cada um deles enriquece a ilha.

A par das lagoas e das praias, das cascatas e dos trilhos, do chá e do bolo lêvedo, das termas e do sol, das lapas suculentas e do queijo da ilha, asseguro que, de forma distinta, cada um de nós, poderá, se assim o quiser, apreciar as competências técnicas do artista, mas, essencialmente, repensar e equacionar os seus afetos, as suas experiências, e entregar-se à beleza de uma imagem e de um gesto. Já escrevia Eugénio de Andrade que “É urgente o amor/ É urgente um barco no mar”. Temos ambos! Talvez nessa simplicidade, sejamos nós, açorianos, imensamente ricos!

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