ARTUR COIMBRA |
Tal como as folhas se desprendem, como lágrimas, das árvores do Outono, visitámos, neste 1º de Novembro, com os olhos húmidos, os cemitérios onde repousam os nossos ente-queridos. Para muitos, a visita à “cidade dos mortos” (que, em rigor, deveria efectuar-se no dia seguinte dedicado aos Fiéis Defuntos) é um ritual semanal ou quinzenal. Ou até com periodicidade bem mais frequente. Para alindar as sepulturas com as flores da época; para acender as velas rubras da lembrança, compradas na loja dos chineses, que são bem mais em conta; para rezar – quem se estriba nas crenças religiosas – em memória dos pais, dos avós, dos irmãos, dos filhos que foram povoar, antes de nós, o reino das estrelas.
Para outros, a ida ao também chamado “campo santo” acontece apenas uma vez em cada ano, tal como a Páscoa ou o Natal. São as visitas minimalistas de quem considera que o lugar dos que já partiram é no mais quente do coração de cada um; ou fá-lo apenas para cumprir calendário, para que a imagem social não saia beliscada, ao sabor do abandono das obrigações familiares que o senso comum impõe. Ou pura e simplesmente, nem liga a tais manigâncias, e vai porque os outros vão.
Neste dia, nada há que sobreleve a recordação pungente dos familiares e amigos que reconstroem a memória de nós mesmos. É o seu dia anual. Pelo menos esse. Aquele em que vestimos a alma das cores escuras da dor e da mágoa. O dia de trazer o nosso pai de volta ao quotidiano, recordar os passeios que dávamos aos domingos, as idas à feira semanal da vila, apreçar o gado e beber um café, a alegria dos filhos quando ele regressava de França, pelo frio Dezembro, coberto de chocolates e caramelos para a nossa gulodice infantil.
Lembrar a querida mãe, que era a força e o afecto, a gestora da casa e dos filhos, pai e mãe ao mesmo tempo, “viúva” de um vivo ausente em terras gaulesas…
Para cada um de nós, os heróis nunca morrem… E os nossos pais, eternamente sem idade, são imperecíveis, perpétuos. Pelo menos, nos corações dos que os amam como se não houvesse medida…
O 1º de Novembro ou o Dia de Fiéis Defuntos é o dia de chorar os mortos, é claro, porque é da nossa condição cultural, escrever em lágrimas o nosso amor; mas também o de bendizer a felicidade de os termos tido entre nós, para enriquecer as nossas vidas, para dar sentido ao nosso crescimento, para consolidar a nossa humanidade. Daí a oceânica saudade que nos legaram…
Foi com esse sentimento de perda mas também de grata consolação, e de redenção, que encaminhei os meus passos para a cidade dos mortos, onde me esperavam, no seu silêncio eterno, os meus pais e outros familiares que teimam em não morrer no meu pobre coração!...
É a forma de continuarem vivos, no meu meio, dentro de mim, a dar-me a força que me impele à vida!
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