PAULO SANTOS SILVA |
Há 172 anos atrás, mais precisamente no dia 25 de novembro de 1845, nascia numa casa da Praça do Almada na cidade da Póvoa do Varzim, um dos maiores vultos da literatura portuguesa – José Maria de Eça de Queirós. Filho de um magistrado nascido no Rio de Janeiro e de uma portuguesa nascida em Monção, o romancista terá visto os seus pais casarem quando já tinha 4 anos, uma vez que a avó materna não teria dado o seu consentimento para o enlace. Assim, os pais de Eça apenas casaram seis dias após o falecimento da avó.
Devido a algumas contingências de uma infância atribulada, Eça de Queirós foi entregue aos cuidados de uma ama, até ser internado no Colégio da Lapa no Porto, de onde saiu aos dezasseis anos para cursar Direito na Universidade de Coimbra. O seu pai, magistrado formado nesta Universidade, foi o Juiz Instrutor do processo de Camilo Castelo Branco, tendo também passado pela Relação, pelo Supremo Tribunal de Justiça e presidido ao Tribunal de Comércio. Além de deputado, fidalgo cavaleiro da Casa Real, par do Reino e do Conselho de Sua Majestade, foi ainda escritor e poeta.
Entre os vários amigos que fez em Coimbra, destaca-se o grande Antero de Quental. É nesta época que os seus primeiros escritos são publicados na Gazeta de Portugal, tendo sido mais tarde publicados postumamente na obra intitulada Prosas Bárbaras.
Terminada a licenciatura em Direito, foi tempo de rumar a Lisboa onde exerceu a advocacia e o jornalismo, tendo chegado a diretor de diversas publicações. Entre 1869 e 1870, fez uma viagem de seis semanas a terras do Oriente, tendo assistido à inauguração do Canal do Suez. Desta viagem resultaram muitas notas que viria a aproveitar em obras tão emblemáticas como O Mistério da Estrada de Sintra e A Relíquia.
Regressado desta viagem, ingressou na Administração Pública tendo sido Administrado do Concelho de Leiria. Foi nesta cidade e neste período que escreveu aquela que é considerada a sua primeira novela realista e sem dúvida das mais polémicas – O Crime do Padre Amaro. Bastaram apenas três anos para ingressar na carreira diplomática, tendo exercido as funções de Cônsul de Portugal em países tão diversos como Cuba, Inglaterra e França.
Terão sido os anos passados em Newcastle e Bristol na Inglaterra, os mais produtivos em termos literários. Foi neste período que surgem obras como Os Maias e A Capital. Esta obra, escrita numa prosa hábil e realista, relata a história da ambição social, profissional e pessoal da personagem principal, Artur Corvelo, que é acompanhada ao longo do seu amadurecimento emocional e consequente resignação à triste realidade. Viria a ser terminada pelo seu filho e publicada postumamente, em 1925. Manteve, também, a sua atividade jornalística, ainda que de forma esporádica, através da rubrica “Cartas de Inglaterra”, publicada nas colunas do Diário de Notícias. A sua última obra, A Ilustre Casa de Ramires, foi publicada em 1900, ano em que faleceu na sua casa de Neuilly-sur-Seine, perto de Paris, onde exercia funções diplomáticas como Cônsul, desde 1888.
Teve direito a honras de Funeral de Estado, tendo sido sepultado no Cemitério dos Prazeres em Lisboa, de onde foi mais tarde transladado para o Cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião.
Juntamente com Ramalho Ortigão, assinou em 1871 as célebres Farpas. Estas publicações mensais, foram uma notável crítica à sociedade da época. Através de textos onde se utilizava a crítica e a ironia, satirizava-se com muito humor à mistura, a imprensa e o jornalismo partidário ou banal. Também a Regeneração, e todas as suas repercussões, não só a nível político mas também económico, cultural, social e até moral; a religião e a fé católica; a mentalidade vigente, com a segregação do papel social da mulher; a literatura romântica, falsa e hipócrita não escapavam à acutilância dos autores. As Farpas foram um novo e inovador conceito de jornalismo - o jornalismo de ideias, de crítica social e cultural.
Eça de Queirós, publicou as suas “Farpas” em 1890, numa compilação à qual deu o título de Uma Campanha Alegre. Ao revisitar o conteúdo da escrita de Eça de Queirós, somos confrontados com uma quase assustadora atualidade. Se tem dúvidas, deixo-lhe alguns exemplos:
“Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre.” in Uma Campanha Alegre (As Farpas)
“Hoje que tanto se fala em crise, quem não vê que, por toda a Europa, uma crise financeira está minando as nacionalidades? É disso que há-de vir a dissolução. Quando os meios faltarem e um dia se perderem as fortunas nacionais, o regime estabelecido cairá para deixar o campo livre ao novo mundo económico.” in Distrito de Évora
Ao ler estes escritos, diria que Eça de Queirós faria 170 anos hoje, se fosse vivo?...
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