PEDRO MONTERROSO |
Andava pelas ruas com uma mochila e um emaranhado de cordas que prendiam uma larga tela de poliéster. Todos olhavam para ele mas não compreendiam o que fazia ali, tinha um ar de quem se encontrava e não de perdido como seria de se esperar.
Dizia que era originário dali, embora tivesse vindo do céu. Que de lá caíra, podia comprovar-se. Mas não podia ser registado ali. Isso acontecia, há muito tempo, quando as cegonhas ainda traziam os bebés. Além disso já não acontecer, nunca se constou que houvesse cegonhas capazes de carregar um homem feito. De mais a mais, dizem que a população das cegonhas tem diminuído à medida que a população humana aumenta. A diminuição da biodiversidade é proporcional ao aumento da demografia humana.
Hoje em dia, desde que os homens e as mulheres descobriram que não precisavam das cegonhas para nada, começaram a proliferar a raça a seu bel-prazer. Fazem amor umas vezes e já está. Às vezes até sai à primeira e nasce um novo careca, que ainda nem sabe falar. Já não é preciso esperar pelas cegonhas, embora os que elas traziam, vinham mais bem preparados, pelo menos nasciam numa queda, aprendiam a cair e aguentavam melhor a vida onde terão de cair muitas vezes. Aliás, essa era logo a primeira das lições de vida.
Não se sabia de onde ele vinha, apenas que era curioso como um bebé, e com aquela parafernália toda que prendia à cintura e às costas, mais parecendo uma fralda e ficou-se na dúvida se ele não era realmente um. Resolveram chamar-lhe de Gerónimo, não porque esse nome quisesse dizer “nome sagrado”, querendo remeter aos céus, mas simplesmente porque estava na moda um filme na televisão, sobre um índio Apache chamado Gerónimo. Passou a responder a esse nome.
De olhar curioso mas não impertinente, dava bom dia, boa tarde, dizia obrigado, rapidamente caindo bem no gosto das velhas e, como quem é de cá sabe, quem cai bem às velhas nesta cidade pequena, acaba por cair bem no gosto de todos. Afinal, caira de paraquedas e não assim à toa, atabalhoado. A sua queda fora suave, o que é bem diferente daqueles que caem aos trambolhões e pensam logo que esta terra é toda deles. Devia ter tido tempo para se preparar, enquanto descia dos céus, e devia ter visto o que nunca ninguém ali vislumbrou.
Caiu especialmente bem aos olhos primaveris de Maria Amélia que o convidou a ficar lá em casa por uns dias mas o rapaz, em abono da verdade, um rapagão não largava o paraquedas. Esse inconveniente dificultava todas as coisas, para entrar no prédio, enfiar-se no elevador, entrar em casa. Maria Amélia, quase se arrependera, quando o lustre da avó caiu redondo no chão, pelo que acolheu bem a ideia dele quando lhe disse que não iria viver ali. Iria continuar a morar na rua, até que naturalmente perdesse o apêndice. Prometeu, no entanto, que voltaria.
Passaram os dias, e Gerónimo parecia ir ficando mais leve, esfiapavam-se as cordas e os pedaços de plástico iam-se perdendo pelas ruas, corroídos pelo sol e pela chuva. Já não o abrigavam tão bem à noite, pelo que ele se decidiu soltar-se de todas essas coisas e foi, todo nu, não como veio ao mundo, porque tinha vindo com uma indumentária vistosa, mas como vinham ao mundo os bebés que nasciam das mulheres.
Apresentou-se assim à porta de Maria Amélia que se reburizou, secando-se-lhe a boca e as palavras. Ao ver assim o recém chegado, virou costas e só voltou quando encontrou as roupa que ainda tinha do avô. Ainda gaga.
Se antes não sabia se tratar o rapagão como filho ou um marido, a emoção decidiu-se mais rápida que o pensamento, fraquejaram-lhe as pernas e rapidamente caiu nos braços de Gerónimo.
Ele que sabia muito bem como cair, também sabia segurar. Afinal, tinha “caído de paraquedas” na vida de todos, como se passou a dizer desde então sobre quem não sabe donde vem, nem porque ali está. No entanto, a entrada na vida dela havia sido uma decisão dos dois, o que muda muito as coisas, aliás, tudo. E fez valer a pena contar esta história.
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