ARTUR COIMBRA |
Com alguma arrogância e auto-convencimento, temos a ousadia de supor que somos donos dos nossos destinos e muito particularmente da nossa privacidade.
Acreditamos piamente que esta constitui um reduto inviolável da nossa soberania, enquanto homens e cidadãos.
Gostamos de assumir que os outros, sejam eles quem forem, apenas sabem o que nós deixamos saber.
Pura ilusão, para nosso maior desapontamento!
Vamos deixando a nossa rica intimidade e a nossa benquista soberania denunciada pelo quotidiano dos actos, os mais simples e rotineiros.
Alienamos a nossa privacidade, a nossa liberdade, quando vamos levantar uma nota de 20 euros ao nosso banco. Ou quando fazemos um pagamento usando o sistema multibanco ou o cartão de crédito. Ou quando telefonamos a alguém, ou contactamos um amigo por mensagem electrónica.
Ou quando pedimos factura numa qualquer aquisição em que disponibilizamos os nossos dados.
Ou quando circulamos numa auto-estrada usando a Via Verde.
Ou quando entramos num estabelecimento comercial ou numa rua e os nossos gestos são preventiva e alegremente gravados por uma câmara de vídeo, com a suprema e ridente consolação: “sorria, está a ser filmado”.
Sem o pensarmos verdadeiramente, praticamente todo o nosso comportamento diário, desde que nos levantamos até que nos deitamos, vai deixando pegadas no mundo virtual e através dessas marcas o universo publicitário e outros vão “atacando” os nossos gostos, as nossas manias, até às nossas perversões.
O que nos leva inevitavelmente à questão crucial: afinal, somos ou não donos da nossa privacidade?
Somos ou não somos livres, não na capacidade de pensar, obviamente, mas na de agir autonomamente e sem condicionalismos ou constrangimentos de qualquer espécie?
Concluiria, com alguma nostalgia, sem dúvida, que, em resultado do uso e abuso das ferramentas electrónicas e virtuais em cada momento, muita gente conhece quem somos, o que somos, o que fazemos, onde circulamos.
E quem conhece, controla, condiciona, regula, limita.
Nunca o Big Brother orwelliano foi realidade tão presente, não no sentido aterrador, pavoroso e concentracionário espelhado na obra 1984, mas numa espécie de ditadura consentida, em que são os prisioneiros que fornecem as algemas ao anónimo mas atento algoz. De quem se queixam amargamente nos momentos seguintes!
No fundo, a cada instante soltamos o compungido lamento: adeus, liberdade!...
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