RUI SANTOS |
Com o estabelecimento de indivíduos etnicamente diferentes nos países de acolhimento, os governos viram-se confrontados com uma série de novas questões, de novos problemas até então não colocados pela sociedade. Algumas dessas recentes situações prendiam-se com o conceito de cidadania, como por exemplo, quem é cidadão, o que significa ser cidadão e como é que se pode aceder à cidadania.Stephen Castles e Mark J. Miller têm opiniões claras sobre este assunto: «In principle the nation-state only permits a single membership, but immigrants and their descendants have a relationship to more than one state. They may be citizens of two states, or they may be a citizen of one state but live in another. These situations may lead to ‘transnational consciousness’ or ‘divided loyalties’ and undermine the cultural homogeneity which is the nationalist ideal (Castles e Miller 2009: 44).
Vasco Graça Moura defende que o conceito de cidadania implica um conjunto de representações e comportamentos. As representações referem-se à pertença do cidadão a uma comunidade política estruturada de determinada forma, dotada de um sistema de valores e com uma identidade proveniente da consciência coletiva. Estabelece-se um conjunto de direitos e de deveres, isto é, uma ligação jurídico-política. Os comportamentos pressupõem a existência de uma visão do mundo, uma visão da comunidade a que se pertence, uma participação social de acordo com as regras jurídico-políticas vigentes (Moura 2013: 19).
Por parte dos imigrantes, as prioridades não se colocam na mesma ordem que os governos as põem. Se estes dão maior enfâse à abordagem conceptual de cidadão e cidadania, os imigrantes têm outra ordem hierárquica nas suas preocupações, como referem Castles e Miller: «The first concern for immigrants, however, is not the exact content of citizenship, but how they can obtain it, in order to achieve a legal status formally equal to that of other residents» (Castles e Miller 2009: 44).
Frequentemente as perspetivas multiculturais são criticadas por se apoiarem em essencialismo, que as identidades consideram como algo fixo e imutável; daí que uma concepção semelhante argumente que todas as identidades merecem respeito, que os seus modos de vida são legítimos e tem direito a ser valorizados e reconhecidos. Não se deve esquecer que há estilos de vida e comunidades que mantém tradições e rituais que atentam profundamente contra os direitos tão básicos como os direitos humanos e que se perpetuam e consolidam porque não se costumam sujeitar a análises e debates em situações de igualdade e liberdade.
O modelo multicultural é posto em causa por vários pensadores. Uma das críticas de que é alvo diz respeito ao conceito de sociedade multicultural. Como afirma Stephen Castles: «O termo sociedade multicultural é frequentemente utilizado como sinónimo de “sociedade multicultural multiétnica”, ou seja, uma sociedade em que convivem lado a lado grupos que possuem diferentes línguas e culturas. Nestes termos, a grande maioria das sociedades do mundo actual é multicultural (apesar de umas o serem mais que outras). No entanto, este facto nada nos diz acerca das atitudes das populações face a outros grupos, ou das políticas públicas direccionadas às minorias. Uma sociedade multicultural entendida neste sentido pode ser atravessada por relações intergrupais altamente conflituosas, como a África do Sul durante o regime do apartheid.» (Castles 2005: 133). O mesmo autor adverte que o conceito de “multiculturalismo” pode ser subvertido em algo que não esteja presente nas intenções que levaram à criação daquele modelo de integração. O caso dos Estados Unidos da América, onde as relações entre os diferentes grupos étnicos não são consideradas como fazendo parte das atribuições do Estado, é um exemplo disso mesmo, no entender de Castles: «Os apoiantes americanos do multiculturalismo defendem a inclusão, na história, na educação e na cultura nacionais, do papel desempenhado pelos americanos nativos, pelos afro-americanos, por outras minorias e pelas mulheres. Mas esta visão do multiculturalismo também é utilizada frequentemente pelos seus opositores. O multiculturalismo é assim rejeitado porque, argumenta-se, legitima o separatismo, o relativismo cultural e mesmo o fundamentalismo, sendo assim considerado como ameaça à modernidade, ao secularismo e à igualdade sexual. Os analistas desta veia sustentam que o multiculturalismo produzirá provavelmente uma sociedade segmentada e conflituosa.» (Castles 2005: 134).
Quem também refere que o multiculturalismo encontra muitas vezes dificuldade na sua implementação e concretização é Will Kymlicka, que considera existir um conjunto de fatores que podem, ou não, contribuir para o seu sucesso:
a) Relações étnicas – O multiculturalismo funciona melhor se as relações entre o estado e as minorias forem vistas como uma questão social e não de segurança. Se o estado entende os imigrantes como uma ameaça à sua segurança, o apoio ao modelo multicultural diminui, assim como as oportunidades dadas às minorias para apresentarem os seus problemas.
b) Direitos Humanos – A adopção do modelo multicultural pressupõe que os Direitos Humanos são adoptados por todas as comunidades étnicas e religiosas. Grande parte das reações contra o multiculturalismo devem-se ao receio, por parte dos ocidentais, em relação aos muçulmanos devido à sua falta de vontade em abraçarem normas mais liberais e democratas.
c) Controlo de fronteiras – O multiculturalismo é mais controverso quando existe o medo por parte dos cidadãos da perda de controlo sobre as suas fronteiras – quando países enfrentam vagas inesperadas de imigração ilegal ou de asilo político – do que quando os cidadãos sentem que a entrada no país é mais controlada.
d) Diversidade dos grupos de imigrantes – O modelo multicultural funciona melhor quando as comunidades minoritárias são distintas em termos de proveniência, religião, etc. Quando se não verifica isso, as relações entre as comunidades tendem a polarizarem-se.
e) Contribuição económica – O apoio ao multiculturalismo está relacionado com a percepção que a maioria tem relativamente às minorias. Quanto mais estas contribuem para a sociedade em termos económicos, maior será o apoio (Kymlicka 2012: 2).
De acordo com os críticos, as políticas multiculturais originam novas formas de exclusão social. Os esforços para incorporar institucionalmente grupos étnicos podem levar à formação de elites constituídas por líderes étnicos que podem não representar as suas comunidades. Além disso, o próprio reconhecimento das comunidades étnicas pode ser difícil devido à enfâse dada às diferenças culturais entre os diversos grupos étnicos. Também a heterogeneidade de diferentes comunidades étnicas não é muitas vezes tida em conta. As identidades étnicas são, no pensar dos críticos do multiculturalismo, incorporadas de forma a irem ao encontro das expectativas da cultura dominante.
Leitura de apoio:
Castles, Stephen (2005): Globalização, Transnacionalismo e Novos Fluxos Migratórios. Lisboa: Fim de Século.
Castles, Stephen, e Miller, Mark J. (2009): The Age of Migration. Basingstoke: Palgrave Macmillan.
Kymlicka, Will (2012): Multiculturalism: success, failure, and the future. Washington DC: Migration Policy Institute
Moura, Vasco Graça (2013): A Identidade Cultural Europeia. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Sem comentários:
Enviar um comentário