domingo, 19 de novembro de 2017

QUANDO OS CAVALOS RELINCHAM

LUÍS VENDEIRINHO
Diz-se que, no colo das nossas mães, nos afirmávamos pelo “não”. Era tudo novo: o dia e a noite, os carinhos, o calor do seio, as vozes que agora nos acompanham ao longo do tempo. Até que um mestre, do alto da férula, nos obrigou ao “sim”. Hoje temos leis e códigos, na teia dos preconceitos, filhos ilegítimos da moral, as palavras são medidas como o grão e o feijão o eram na mercearia, temos urnas testemunhas da nossa ignorância, falácias dos discursos e muita fezada na lotaria, que o pão sobra para aqueles que nos consolam com o êxito da sua maquilhagem. Quando os cavalos relincham o céu é da cor da nossa imaginação, as horas o espartilho rompido, os nomes abrigam-se sob o silêncio. Se o grito ousa rasgar a morna cadência do destino, esse que nos foi reservado por mão alheia, vem a mordaça, invocado o medo, a dizer-nos que “sim”. Há homens que só vivem encostados à dormência dos passos, outros tantos de muleta, poucos que galopam e no galope atiram contra o chão estéril a fúria da liberdade. Na rua onde nasci, como acontece no resto do mundo, todos somos cativos das nossas memórias, todos bebemos do mesmo cálice, orando por justiça, por justiça adiada, e damos esmola quando nos saudamos, cumprindo a penitência com rosto de solidão. Quando os cavalos relincham a terra treme, o céu escurece, o vento sopra e traz com ele coisas inomináveis. O freio quebrou, o sol já não se põe, amanhã dirão que fomos artífices de uma casa sem fundação. Nós cientistas, oradores, poetas, arquitectos da decadência. Diz-se que, no colo das nossas mães, nos estava prometida a liberdade, essa fonte donde poucos bebem, mas os nossos filhos haverão de matar a sede, não na liberdade, mas na fonte onde há dois rouxinóis a cantar, uma borboleta a dançar, uma semente a germinar, mil estrelas a brilhar e os beijos que a chuva lhes dará, sempre que for chamada a cair. Quando os cavalos relincham sua majestade resigna.

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