ARTUR COIMBRA |
As relações sociais, familiares ou simplesmente a dois, nos dias de hoje, estão em constante diluição, para não dizer em evolução negativa, na maioria dos casos. Pelo menos, para o que habitualmente se consideram padrões de normalidade ou de razoabilidade.
Obviamente, estamos em terrenos movediços de opinião e subjectividade, ou porventura no assomar de novos paradigmas de afectividade, ou de falta dela. O que terá também a ver com a idade, os ideais ou os sonhos de cada um.
O que se pode afirmar é que, nos dias que correm, as relações humanas são pouco mais que descartáveis. Uma espécie de serve, usa e deita fora, como uma chiclete.
Estamos num mundo em mudança, o que provém da evolução de uma certa sociedade e de uma certa cultura, que são as nossas, do ocidente ou do nosso país.
O casamento, por exemplo, durante séculos, contextualizou o relacionamento entre um casal e manteve uma imagem de duração, obviamente muitas vezes conseguida com sofrimento de uma das partes, normalmente a mulher, que se sacrificava em favor da chamada “estabilidade familiar” e sobretudo dos filhos. Muitas vezes, o matrimónio mantinha-se como mera fachada mas havia o esforço de lutar pela união de duas pessoas que se amavam, ou se amaram.
A revolução sexual dos anos de 1960 e 1970 e a justa ascensão da mulher ao mundo do trabalho, da formação e do poder, foram factores que contribuíram para a visível mudança das relações. Para as uniões de facto, para o acentuado decréscimo da instituição matrimonial, para o questionamento do que antes se consideravam instituições seculares.
Obviamente, nos últimos anos, com a revolução tecnológica e a comunicação digital e a fragmentação dos comportamentos, tudo está em causa e a vida tem vindo a ser vivida com maior rapidez, com menor ligação emocional entre as pessoas. Com menos laços entre pessoas e grupos sociais.
Referência para a declaração do autor polaco, Zygmunt Bauman, que publicou um livro de culto, "Amor líquido", segundo o qual as relações humanas "estão cada vez mais flexíveis".
Habituados como estamos ao mundo virtual, onde fácil é ter amigos e relações sem conexão com a realidade (basta atentar nos milhares de amigos que temos no Facebook e que não conhecemos física ou psiquicamente, conhecemos apenas o que eles querem mostrar), revelam-se mais complicados os compromissos duráveis.
Os casamentos assim não resistem. À menor discussão, acaba-se um relacionamento que durou uma dezena de anos. Não há a menor capacidade de resiliência, de tolerância, de encaixe da adversidade.
O que antes era sacrifício para manter uma relação, hoje é absoluta disponibilidade para não aguentar a mínima contrariedade. Passou-se do oitenta para o oito. Qualquer motivo serve para acabar uma relação. Ou seja, a relação está ao sabor de qualquer coisa ou de coisa nenhuma.
Nada é feito para durar, nada tem solidez granítica, como as estátuas.
Como refere Zygmunt Bauman, “os afectos escorrem das nossas mãos por entre os dedos feitos água".
Tudo é líquido, tudo é descartável, tudo é substituível por versões mais recentes. Os relacionamentos, os ideais, os sonhos, os projectos.
A realidade é cada vez mais virtual, diluída, inconsistente.
Há quem ache o máximo este tempo líquido. Mas as sociedades, claramente, solidificaram-se e evoluíram quando prosseguiram modelos duráveis que se traduziram em instituições e em tradições, transmitidas de geração em geração.
Obviamente, mais saudáveis, quanto mais adaptadas a cada momento histórico!
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