sexta-feira, 15 de setembro de 2017

VIVER DEPOIS DE TI

LUÍS PINHEIRO
Como podemos sobreviver depois da perda de alguém bastante importante para nós? Na sociedade a morte e o ato de morrer continuam a ser temas bastante difíceis de se abordar, principalmente se a pessoa em questão tiver tido/têm um papel importante no nosso passado e presente. As expectativas que criamos sobre as pessoas das quais gostamos caiem por terra num único momento. E o depois? Como devemos proceder sobre algo que sabemos desde o primeiro dia que iria acontecer… Ninguém nos ensina a morrer nem a viver a morte.

A nossa sociedade retrata a morte como um tema “tabu” e nunca é um tema natural no seio de um grupo de amigos ou familiares. Se nos focarmos na literatura podemos ver que a perda de um ente querido é sem dúvida uma experiencia devastadora, Bowlby (1980), o pai da teoria da vinculação relata-nos a importância dos laços emocionais que são criados com as figuras parentais no início da vida, laços esses, que são usados para relações futuras. Surgem da necessidade de nos sentirmos seguros e protegidos. O que fazer quando eles laços são interrompidos? Como podemos ultrapassar algo que nós vemos como não natural e que colocamos sempre num futuro longínquo?

Do ponto de vista da psicologia, existem quatro grandes tarefas que têm de ser realizadas com vista a um processo de luto mais suavizante.

A primeira tarefa prende-se com a aceitação da realidade da perda. Neste ponto, existem três grandes possibilidades de fuga, a negação dos fatos da perda, a alteração do significado da perda e a reversibilidade da morte.

Existe uma tendência natural para inicialmente entrarmos em negação durante um processo de luto, muitas vezes pode traduzir-se numa retenção dos bens materiais do falecido para lhes serem entregues quando ele “regressar” a casa, outra forma das pessoas se protegerem da realidade é alterar o significado da perda, desvalorizando a importância que essa pessoa tinha para eles, um exemplo clássico é “ah, ele também não era um bom amigo” e por ultimo a tendência para pensarem que a perda é reversível, uma estratégia utilizada para negar a finalidade da morte é o espiritualismo. A ideia de reunião com a pessoa morta é um sentimento natural e importante caso faça parte do nível espiritual da pessoa, contudo a esperança crónica por tal reunião pode ultrapassar os parâmetros da normalidade, não deixando a pessoa vivenciar o luto.

Atingir a aceitação da perda é um processo demorado, pois envolve uma aceitação intelectual, emocional e espiritual. Em norma os rituais associados à morte ajudam na realização desta tarefa (funeral).

A segunda tarefa prende-se com a elaboração da dor da perda, ou seja, a pessoa que está em processo de luto tem que vivenciar a dor da perda na sua plenitude, tentar evitar ou suprimir apenas fará com que o processo de luto se perpetue mais no tempo. A negação desta segunda tarefa resume-se simplesmente no não sentir. Este boicote pode ser feito com ajuda de alguns medicamentos ou pela utilização de álcool ou de outro mecanismo de coping menos adequado.

O ajustamento a um ambiente em que o ente falecido não está presente apresenta-se como o terceiro passo para um processo de luto adaptativo. A falta do significante começa a ser sentida num período posterior à sua morte, quanto mais integrado nas rotinas diárias mais cedo somos apoderados pelo sentimento de perda. A estratégia utilizada para aceitar e lidar com a perda pode originar um benefício para o sobrevivente e deste modo levar a uma resolução bem-sucedida desta tarefa. Por exemplo, um senhor que perde a sua companheira, que tinha entre muitos outros papeis, o de alimentar os animais da quinta que tinham, passa a resolver ele próprio essas questões o que lhe irá dar um enorme prazer apercebendo-se que isso não teria acontecido caso a sua companheira não tivesse falecido.

A última tarefa prende-se com o reposicionamento da pessoa que faleceu em termos emocionais e continuar a sua vida. A memória de uma relação significativa nunca é perdida pela pessoa que sobrevive, o processo de luto tende a terminar quando deixa de existir a necessidade de reativação e de representação do falecido com uma intensidade exacerbada no seu dia-a-dia. Uma das possibilidades de fugir á realização desta tarefa é deixar de amar, é a pessoa agarrar-se ao vínculo que tem com o passado e não deixar formar novos vínculos, acontecendo em alguns casos pactos com elas próprias com vista a nunca mais amarem.

O processo de luto não é fácil, é árduo continuar a viver sem alguém que deu tanto significado à nossa vida. O caminho do luto é difícil, mas têm de ser feito. É nestes momentos que temos de ser fortes e realmente fazermos a ligação com o nosso lado espiritual. O sofrimento tem de ser vivido, e de certa forma, é o que nos faz ascender enquanto seres humanos. É nos caminhos mais difíceis da nossa vida, que as respostas tendem a aparecer.

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