CRÓNICA DE MARIA AMORIM |
A greve dos enfermeiros, que começou no dia 11, à primeira vista e para os mais desatentos parece uma greve desprovida de sentido, na conjuntura atual e pela premência que os enfermeiros põem nas suas revindicações. Então, lembraram-se de repente de fazer greve e do nada ser aumentados 100%? Mas eles estarão loucos? E, agora também querem ser especialistas?
Não, os enfermeiros não estão loucos, e não se lembraram do nada de fazer todas estas revindicações. Há já alguns anos que estão a ser injustiçados. Na minha memória tudo começou quando tiveram de fazer uma licenciatura para poder continuar a exercer a sua profissão. Eu posso partilhar o meu ponto de vista convosco e com conhecimento de causa, por acaso, ou não fosse enfermeira há mais de 34 anos.
Orgulho-me muito de ser “gente que cuida de gente...”, escolhi ser Enfermeira não me perguntem porquê, mas na minha mente, ser Enfermeira fazia todo o sentido, e até hoje sei que nasci para isto. E sempre senti alegria ao ir para o trabalho, fazia o que gostava, sentia-me reconhecida, e nem sequer era licenciada. Estudei para ser graduada e fiz um exame para subir na carreira, procurei dignificar a minha pessoa e a minha profissão mantendo-me atualizada e correspondendo ao que me era exigido. Sei que fiz a diferença para muita gente ao longo destes anos, para os doentes que acompanhei, com quem chorei e ri, a quem lavei, mudei, levantei, alimentei, consolei e defendi… Poderia aqui relatar todas as vezes que tive que esclarecer, traduzir a linguagem médica que a maioria dos doentes não entendem, mas não ousam confessar, todas as vezes que tive de certificar que não existem contraindicações para as prescrições a aplicar, todas as rondas em bicos de pé com as luzes apagadas, todos os colos que dei aos meninos da nossa sala de pediatria, porque as mães não podiam ficar lá, as noites a embala-los, substituindo o colo que eles procuravam, todos os que partiram e que a última pessoa que viram fui eu, as mãos que eu segurei a quem estava prestes a adormecer antes de ser operado, e dormiu mais tranquilo porque eu estava ali, os lençóis quentinhos no recobro, porque o frio ao acordar é terrível e eu sabia-o por experiência própria. Claro que estas coisas não são assim muito científicas, mas podem ter a certeza que o que me fica na memória não são as injeções que dei, os sangues que colhi, as algaliações que fiz, as cirurgias que instrumentei, mas são os momentos especiais que partilhei e as situações difíceis e penosas que ajudei a ultrapassar que me deixaram marcas e me ajudaram a crescer como pessoa.
Exigiram de mim que fizesse uma licenciatura, sim, porque de repente, para ser enfermeira tinha de ser licenciada, e eu fui a primeira a avançar, fiz logo o primeiro curso, há 17 anos, ia as aulas de manhã e vinha trabalhar de tarde, estudei, fiz trabalhos, reconheço que foi uma mais-valia. E serviu-me de quê? Além de me enriquecer a mente, não me enriqueceu o bolso, continuo 17 anos depois à espera da atualização do vencimento. Pacientemente esperei, pois quando todos os enfermeiros fossem licenciados, íamos todos ser reconhecidos. Até hoje. Não vi esforço honesto para reconhecer o valor da licenciatura dos enfermeiros, pelo contrário. Pelo caminho perdi a vontade de me especializar. Mudaram-nos a carreira, mas não foi para melhor, retiraram a categoria de especialista, não porque eles não fossem precisos, pois continuaram a trabalhar nos serviços, com a vã esperança que a sua especialização iria ter reconhecimento. Nos últimos anos perdi a conta às horas a mais que tive que fazer, aos colegas que tive que substituir em licenças de maternidade, veio a crise e como todos estavam a paga-la, até me esqueci de todas as promessas que ficaram para trás. E…a crise foi-se esbatendo, aos poucos o nevoeiro foi melhorando, algumas carreiras foram revistas e eu pensei.. vai ser desta que vai chegar a nossa vez. Mas enganei-me, mais uma vez. O protesto das especialistas de saúde materna foi o rastilho do barril de pólvora em que transformaram os últimos anos na saúde, no que concerne os enfermeiros, e a gota que fez transbordar o vaso foram as palavras do Sr Ministro da Saúde que utilizou termos extremamente depreciativos para com uma classe que é a pedra basilar do sistema de saúde. Senti-me pessoalmente ofendida ao ouvir termos como IRRESPONSÀVEL, IMORAL, e outros que nem vou referir, e penso que todos os que levam a Enfermagem a sério e que são profissionais responsáveis, aqueles que colocam acima de tudo a segurança dos doentes se sentiram tão ofendidos como eu, e apesar de todas as ameaças, unimos forças, juntamo-nos numa luta que é dos enfermeiros (JUNTOS SOMOS MAIS FORTES) por justiça e respeito e pela dignidade de uma classe profissional que trabalha noite e dia por todas as pessoas que precisam de cuidados fazendo por elas o que ela fariam “ se pudessem, quisessem ou soubessem…” mesmo antes de nasceram e até à hora da sua morte.
100% ao vosso lado! És o meu orgulho por seres brilhante! E ja agora porque escreves tantas coisas verdadeiras e ainda por cima de uma forma clara e bonita! Abraço a ti e a VOSSA CAUSA! Muita força!
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