quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O RECREIO DO KIM

RUI SANTOS
Durante a minha infância e adolescência, os noticiários eram invariavelmente ocupados por notícias referentes à Guerra Fria. Viviam-se as décadas de 1970/80. A tensão que se verificava entre os países da NATO e do Pacto de Varsóvia fazia com que o mundo, pelo menos o localizado no hemisfério norte, vivesse mergulhado num clima de apreensão relativamente ao seu futuro. Depois, em 1989 o muro de Berlim foi derrubado e pensou-se que o pesadelo nuclear tinha passado. Para isso muito contribuíram os vários acordos de desmantelamento de armamento nuclear por parte de diversos países, nomeadamente os Estados Unidos da América (EUA) e a Rússia. Quase trinta anos volvidos, o mundo volta a despertar para o perigo de um conflito nuclear.

A Coreia do Norte substituiu a Rússia como um dos pólos do confronto com os EUA e isso é extremamente relevante para a evolução de toda a situação. Anteriormente, russos e americanos, utilizavam as armas nucleares não só como elemento de ameaça mas também, e principalmente, como factor dissuasor de qualquer tentativa de conflito bélico. Ambos os lados sabiam que ao atacarem o outro sofreriam igual consequência e os efeitos seriam devastadores. Ao invés, os norte-coreanos usam o seu arsenal como forma de intimidação mas não receiam a consequência disso mesmo. Os chefes de governo da Coreia do Norte promoveram, ao longo dos anos, uma lavagem cerebral geracional que faz com que a maioria da população esteja convencida que nada poderá derrotar o seu exército e o povo norte-coreano (cada cidadão é um potencial militar). Não deixa de ser incrível como a esmagadora maioria da população reverencia Kim Jong-un, o seu presidente. A oposição ao regime é brutalmente reprimida e mesmo os dissidentes norte-coreanos refugiados no exterior nenhuma influência possuem junto da população. Num país normal, a situação norte-coreana já teria terminado. Uma revolta popular ou um golpe militar teriam posto fim ao regime. Contudo, a sua população vive num estado de alucinação colectiva e quem resolve afrontar o governo enfrenta terríveis penas e torturas. É incrível como a população de um país se deixa manipular ao longo de décadas, uma população que se depara com condições de vida miseráveis, onde até o papel higiénico é um bem de luxo.

O mundo tem olhado com um certo desdém para a Coreia do Norte. Percepciona aquele país como sendo um território exótico, onde os seus cientistas afirmam que existiram unicórnios nas montanhas norte-coreanas e outras parvoíces do género. Mesmo as ameaças feitas aos outros países foram sendo encaradas como algo para consumo interno. Isso foi um erro. Chegaria uma certa altura em que Pyongyang iria mostrar a sua força e o mundo teria de considerar a ameaça norte-coreana mais a sério. Os últimos tempos foram a prova de que tal coisa passou a ser uma realidade. Um exemplo disso é a proposta do governo japonês, ao parlamento nipónico, para aumentar o seu orçamento militar em virtude do seu território estar ameaçado pelos mísseis da Coreia do Norte. Todavia, esta vontade já está a desencadear preocupações na China, com quem o Japão tem divergências desde há bastante tempo. As sempre frágeis relações sino-japonesas podem ficar ainda pior como efeito das ameaças norte-coreanas e o equilíbrio geoestratégico posto em causa.

Nikky Haley, embaixadora dos EUA nas Nações Unidas (ONU) declarou, à edição de 11 de Setembro do jornal inglês Guardian, que ainda não se atingiu o ponto de não retorno e que os presidentes dos EUA e da China estão empenhados em resolver a complicada situação. Para tal, afirma Haley, é necessário que a Coreia do Norte termine com o seu programa nuclear. Não creio que tal aconteça. Isso só se verificaria se o país não fosse governado por uma dinastia de autênticos chanfrados.

Embora a ONU tenha decretado embargo aos têxteis norte-coreanos e à venda de petróleo ao país, Kim Jong-un continuará o seu desvario. Quem sofrerá com tal situação será a população e se isso acarretar menor possibilidade do programa nuclear ter menor financiamento, a venda de algum material nuclear a grupos terroristas não é uma «carta fora do baralho». Aliás, essa é uma preocupação de muitos analistas que se dedicam a estudar as movimentações de Pyongyang.

Tudo tem um fim e uma vez que não se perspectiva uma alteração por parte do governo norte-coreano, um envolvimento militar (que englobe forças militares de várias proveniências) será necessário para fazer parar os desvarios do seu governo. É inevitável. O mundo não pode continuar a tolerar o regime norte-coreano e a grave situação humanitária que a sua população atravessa. Certamente que aqueles que defendem intransigentemente o seu líder irão deparar-se com um mundo totalmente diferente daquele que lhes foi vendido durante décadas. O choque cultural será devastador. Ao contrário do que julgam, a Coreia do Norte não é o centro do mundo mas sim um mundo de fantasia com o qual Kim Jong-un se diverte como uma criança mimada.

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