(Primeira parte)
JORGE NUNO |
Senti um genuíno interesse na leitura de “Conquistadores – Como Portugal Criou o Primeiro Império Global”, de Roger Crowley. Este autor, que escreveu diversas obras de história, também nesta procurou avidamente o rigor, sendo inevitável que teve, para tal, de efetuar uma vasta investigação, baseada numa imensidão de documentos da época e traduções existentes. Inicialmente, não dá mostras de pretender enaltecer as qualidades dos portugueses, enquanto povo de vocação marítima, pois retrata muitas das suas fraquezas, ocultadas nos livros convencionais da história de Portugal. No entanto, acaba por relatar “como uma das nações mais pequenas e pobres da Europa pôs em movimento as forças da globalização que hoje dão forma ao mundo” e viveu a sua época de ouro no século XVI, temida (pelo poder dos canhões da artilharia marítima), respeitada (pela ousadia e também pela oportunidade de comércio) e odiada (tanto pelos muçulmanos, face à obstinada cruzada para “o extermínio do islão e propagação da cristandade sob um monarca universal[1]”, e por todos aqueles que perdiam direitos e influência, à medida que as naus portuguesas iam avançando rumo à expansão territorial e comercial). As iniciativas do rei D. Manuel I – que viria a assumir o título de “rei de Portugal e dos Algarves, Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e Índia” – tiveram a bênção papal, com direito à “posse perpétua das terras conquistadas aos infiéis, onde outros reis cristãos não tivessem reivindicações”.
É certo que naquela época houve um enorme esforço na construção de naus, canhões de bronze e outro armamento, angariação de tripulação e preparação das viagens, mesmo fazendo uso do ouro da Guiné e dos bens de judeus expulsos. Essas viagens realizavam-se em condições difíceis: elevado risco; desconhecido; hostilidades encontradas; insuficiente provisão de água doce e falta de lugares para abastecer; falta de géneros alimentares frescos e, principalmente, de citrinos, que tanto dizimaram tripulações. Mas com as boas notícias trazidas da Índia, no regresso de Vasco da Gama (mesmo que a viagem ficasse ensombrada pela perda de dois terços da tripulação), também houve um excelente trabalho na ocultação de segredos – obtidos com muito sangue, suor e lágrimas – e na divulgação dos êxitos, que chegaram aos pontos estratégicos da Europa e, em particular, Veneza, Génova e Florença, que detinham o monopólio do comércio de especiarias (vindas por terra, até ao Egito).
No final daquele reinado, ao nível de imagem exterior, Portugal estaria no auge, muito favorecido pelo comércio florescente, que seria fruto de um “projeto, simultaneamente, imperial, religioso e económico”. Tal, foi sustentado pela influência dos padres, monges e cavaleiros da Ordem de Cristo e dos astrólogos reais, mas acima de tudo pela obstinação de um monarca que, tendo herdado a coroa do primo – D. João II – acreditava “num destino messiânico” e predestinado a estes feitos. Arrogando-se “ter herdado o manto do seu tio-avô – o Infante D. Henrique, ‘O Navegador’ –, invocou obediência à sua missão divina” para prosseguir, perante a oposição da nobreza. Agora, seria um país ainda mais forte do que o de D. João II, anterior monarca que teve o arrojo de discutir e fazer aprovar o tratado de Tordesilhas, com os reis católicos Fernando de Aragão e Isabel I, “regateando a posse do mundo”, que dividido em dois seria pertença de Portugal e de Espanha, mais uma vez com a bula papal.
Entre imensos factos surpreendentes, realça-se a iniciativa e o secretismo de D. Manuel I no envio de emissários “a Henrique VII, em Inglaterra, ao rei Fernando de Aragão, em Espanha, a Júlio II [papa], a Luís XII, em França, a Maximiliano I, sacro imperador romano, convidando-os a participar numa cruzada naval pelo Mediterrâneo até à Terra Santa”, mas em que houve falta da resposta esperada. No entanto, D. Manuel I manteve firme a ideia de “destruição do bloco islâmico”, rotulado de “infiéis”. Em julho de 1505, “o papa concedeu a D. Manuel I um imposto de cruzada que poderia ser cobrado durante dois anos e remissão de todos os pecados para quem nele participasse”. Convenhamos, seria reconfortante e uma atenuante para quem participasse nestes ferozes combates, saber que todo o mal causado a outrem ficaria livre da condenação divina.
(Continua...)
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[1] Uma xilogravura de 1514 mostra-nos o rei D. Manuel I no trono, tendo à sua direita e esquerda, respetivamente, as armas do reino e a esfera armilar e, ligado ao ceptro real, uma fita com “DEO IN CELO TIBI AVTEN IN MVNDO” (A Deus no Céu e a Ti na Terra), o que faria a “ligação entre o terreno e o divino, perspetivando-o como um soberano universal a “aspirar ao título de imperador de um reino messiânico cristão”.
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