sábado, 27 de maio de 2017

MODOS DE OLHAR

JORGE NUNO
Quando me preparava para iniciar esta crónica li a frase, citada in The Nag Hammadi Library: “Reconhece o que está à vista e aquilo que está escondido de ti tornar-se-á claro aos teus olhos”. Reconheço que o entendimento da frase não é fácil. É que a vida surpreende-nos, a cada dia, com factos inesperados, tanto pela positiva como pela negativa, sem que aparentemente possa haver qualquer controlo e previsibilidade da ocorrência para que, perante o que os nossos olhos veem, haja uma clara justificação dos factos ou do alcance dos mesmos.

Um desses factos passou-se com Nicky Hayden, americano, de 35 anos. Trata-se de uma lenda do desporto motorizado, piloto da Honda em Moto GP e campeão do mundo em 2006, nesta categoria. Foi anunciado que não resistiu aos ferimentos causados por um acidente em Rimini, em Itália. Não, não foi em corridas de moto… foi abalroado por uma viatura ligeira, quando seguia de bicicleta. Soube-se que a última dádiva do piloto terá sido a doação dos seus órgãos, desejo que terá sido cumprido pela família.

No exterior do Manchester Arena, em Inglaterra, logo após a conclusão do espetáculo da cantora americana, Ariana Grande, que contou com a presença de cerca de 21000 espetadores, um bombista suicida fez-se explodir. Com número de mortos a rondar vinte e dois e o número de feridos a ultrapassar os cem, dos quais vinte e três em estado muito grave e, como sempre nestas circunstâncias, o pânico instala-se e leva a que estes números reflitam também casos de espezinhamento, na tentativa de fuga. De imediato sobressai uma onda de solidariedade e gestos bonitos. Moradores a oferecerem camas às pessoas afetadas pelo atentado. Taxistas a oferecerem transporte gratuito a quem fugia daquele local. Uma senhora, de 48 anos, que estava próxima da estação de Victoria, a pedir aos jovens (que fugiam), para a seguir, tendo encaminhado cerca de cinquenta, que correram com ela para o Hotel Holiday Inn Express e onde deu conhecimento da notícia via Facebook, localização e número pessoal de telemóvel, para tentar sossegar os pais que não sabiam dos filhos. Dois sem-abrigo, um de 33 anos e outro de 35 anos, que se encontravam no local, em vez de fugir terão ajudado várias pessoas, incluindo crianças e viraram “heróis” improváveis; um deles, devido à visibilidade nos meios de comunicação social, terá agora oportunidade de reencontrar a sua mãe, com quem tinha perdido o contacto há anos; ao outro foi oferecido alojamento por 6 meses. Na manhã seguinte, estiveram juntos os líderes das várias comunidades locais, para mostrar união e solidariedade. José Mourinho – que já foi considerado o melhor treinador de futebol do mundo e que muitos têm vindo a dizer que já não tem a garra de outrora para estas lides, ao deixar o Manchester United em 6.º lugar na Premier League, nesta época, apesar de ter vencido a Supertaça e a Taça da Liga –, 48 horas depois do atentado em Manchester contribuiu para atenuar o sofrimento dos habitantes desta cidade ao conseguir com que o Manchester United ganhasse a final da Liga Europa, e tivesse entrada direta na Liga dos Campeões; tal, possibilitou que um simples jogo de futebol ajudasse a elevar o moral de quem se sente atacado. 

Mário Centeno, ministro das Finanças, foi por diversas alturas contestado e ainda se insiste com audição na AR – Assembleia da República, a propósito do caso dos “Offshore”. Foi igualmente contestado, de forma dissimulada, por algumas figuras de proa nas instâncias europeias, como é caso de Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão. Este último, em outubro de 2015, desagradado por não ficar a governar o partido vencedor das Legislativas, referiu que Portugal estava a ter sucesso até à chegada do novo Governo [liderado por António Costa]. O mesmo, em fevereiro de 2016, “encorajou fortemente” a equipa do ministério das Finanças de Portugal “a não fugir ao rumo bem-sucedido que vinha sendo seguido”, para em junho de 2016, deixar o cutelo no ar, como possibilidade de haver um segundo resgate, insistindo na necessidade de cumprimento das regras europeias. Agora, Centeno anuncia: a boa notícia (ainda sob a forma de previsão) de que a economia deverá crescer 3% no segundo trimestre de 2017; reforça a ideia do controlo das finanças públicas e estabilização da dívida pública; através da UTAO – Unidade Técnica de Apoio ao Orçamento quer antecipar o pagamento de parte da dívida ao FMI – Fundo Monetário Internacional, entregando-lhes 7,2 mil milhões de euros em 2018 e 2019, permitindo poupanças ao Estado, em juros. Durante um ano, Centeno assume a presidência do Concelho de Governadores do BEI – Banco Europeu de Investimentos, instituição que em 2016 teve um volume de financiamento de 83,75 mil milhões de euros, dos quais 1,486 mil milhões foi direcionado para a linha de crédito da banca portuguesa, para apoiar as PME – Pequenas e Médias Empresas, para requalificação urbana e para a Indústria. Depois de Mário Centeno entregar o pedido e ver concedido a saída de Portugal do PDE – Procedimento por Défice Excessivo, não deixa de ser curioso saber que Wolfgang Schäuble ter-se-á referido a Centeno como o “Ronaldo do ECOFIN”. Paira ainda no ar a hipótese de vir a suceder ao presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, apesar de lhe ter sido pedido pelo presidente da República e primeiro-ministro para o não fazer.

Em fevereiro deste ano, no dia dos namorados, no Theatro Circo, em Braga, senti que a assistência estava rendida perante a atuação da Luísa Sobral. Eu era um deles. A meio do espetáculo apresentou uma surpresa: o Salvador. Chegado à boca de cena, com ar algo estranho, limitou-se a um tímido “olá”, provocando risos, e ainda mais quando a Luísa Sobral afirmou que tinham combinado que ele só diria aquilo. Cantou uma canção, sem letra, como quem está a trautear de improviso e saiu-se bem, embora continuando a soar a estranho para o público. Mais estranho pareceu quando venceu o Festival da Canção, que o obrigou a ir ao Festival Eurovisão da Canção e viria a ganhar com um resultado histórico – a maior pontuação alguma vez atribuída a uma canção – 758 pontos e ainda por cima cantada em português! Na noite do Festival da Eurovisão, estiveram cerca de 2,4 milhões de portugueses a ver a RTP1, tal como se fosse um dos decisivos jogos da seleção nacional de futebol. Disse que nunca tinha visto esse Festival e mostrou a sua imagem anti-vedeta. Quando foram ambos entrevistados na RTP1, a irmã disse que o “segredo foi levarmos uma coisa genuína e sem o intuito de ganhar”. Disse ainda que quando escreveu ”a canção não era para ganhar mas para a voz do meu irmão”. Por sua vez, ele afirmou que “a Luísa tem canções muito mais bonitas do que Amar pelos Dois”. Destaco, da entrevista, a frase da Luísa Sobral: “É bonito quando algo parece ser impossível para o país, e conseguimos provar o contrário!”

Na verdade… estamos sempre a ser surpreendidos. Já dizia Wayne Dyer (autor americano, com vários livros de auto-ajuda): “Mude o modo como você olha para as coisas, e as coisas que você olha mudarão”.

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