MARIA ISABEL ROSETE |
Um homem, Heinrich Harrer, legendário
explorador, missionário no cume das mais altas montanhas que a Terra alberga,
eterniza a visão mais que perfeita do Infinito, celebrando a transparência, o
alvo mais puro da brancura da neve por onde o Sol espalha, limpidamente, a
luminosidade dos seus raios, sem fim visível.
A luz, as nuvens, a neblina,
o cinzento e, ainda, a escuridão dos espíritos alienados, mesclam-se com aquela
sensibilidade divina, nua, que faz desejar a Eternidade. O aprisionamento e a alforria
acompanham Harrer (Brad Pitt), assim como a necessidade da escrita, qual via
privilegiada do registo memorial de todos os tempos e de todos os lugares.
A Imensidão, o Interminável,
a Paz das lonjuras de uma Alma intranquila à procura da sua própria atmosfera
espiritual, bem distante do vazio da fútil materialidade das mentes
empobrecidas, prolonga-se por todos os espaços reais, possíveis, imaginários,
virtuais... A grandeza do Mundo e a extensão ilimitada do Universo, a
conquistar ad eternum, movem-se em
todos os rumos e direcções, ora determinadas, ora in-distintas.
Um Olhar claro, clínico,
de um azul celeste inconfundível, irrompe por entre a névoa. Um Pensamento de
horizontes incomensuráveis, os Sons da Vida e da Morte, em todos os seus
estados de Graça ou de (des)graça, incessantemente
se erguem. A Escuta – silenciosa, atenta, profunda – dos mais ínfimos
pormenores e a beleza singela e eterna das coisas-simples,
sempre se manifestam na sua máxima plenitude, hoje perdida, sabe-se lá onde.
E o Amor? Tantas são as
formas de Amor re-veladas nestes Sete Anos (no Tibet), símbolos, sinais, de todos os anos de todas as nossas
Vidas! O Amor por si próprio, mas, não narcísico; o Amor pela Natureza, na sua
diversidade magistral, onde a Identidade e a Diferença co-habitam; o Amor pela Verdade, constantemente procurada e nem
sempre encontrada ou perdida; o Amor pela luta das nobres causas em que, de
facto, se acredita; o Amor de um homem e de uma mulher, não mais viável, quando
tais valores se erguem, imperam, multiplicam…; o Amor dos encontros e dos des-encontros de duas Culturas, tão
distantes quanto próximas, entrelaçadas em choque e harmonia; o Amor pela totalidade
e pela unicidade do Autêntico, onde há lugar para tudo, excepto para o que não
tem, naturalmente, lugar, porque não tem sentido, porque é perverso, porque é
ignóbil.
A Solidão, necessária,
absolutamente necessária à meditação antecedente a toda a acção, é um marco
fulcral desta meditação em andamento. O
Pensar e o Fazer unem-se, incessante e umbilicalmente, de tal
modo que um jamais é sem o outro. Que grande lição, para nós, homens hodiernos
de meras intuições sensíveis, imediatas, irreflectidas…!
A Esperança impera ao lado
do desassossego. Porém, nunca agoniza. Nem perante a maior das atrocidades, impiedades
ou selvajarias, porque, afinal, a salvação ainda é possível. Aliás, é sempre
possível! Rastejando, fugindo, correndo ou vagueando, é iniludível que ela está
lá, algures, em parte incerta. Todavia, está lá. Este é o maior desafio. Este é
o grande estímulo. Este é o motor de todas as possibilidades.
Todos os caminhos – nesta
marcha que é a da própria Humidade, mesmo que concebida metaforicamente – sempre
se bifurcam; todos os atalhos sempre conduzem, aos que os trilham com veemente
convicção e merecida glória, às veredas autênticas da essência do humano, em
devir perpétuo. E o Mundo? O Mundo, seja ele qual for – o nosso, o de todos os
outros – com todos os seus vícios e virtudes, gira e avança, sem mais!
Gentes dis-persas se encontram por todos os
lugares no pequeno-grande Tibet, uma
das maiores Pátrias espirituais do Oriente (e, quiçá, do Ocidente). Também
gentes alienadas, ex-tasiadas pelo
poder que corrompe, corrói e destrói. E a Guerra, sempre a Guerra, a
Intolerância, a Incompreensão, as garras do Fogo de Prometeu, na refulgência da
sua destruição.
A Humanidade – a nossa
humanidade ou (des)humanidade - espelha-se em toda a sua magnificência e
efemeridade imutável. Similarmente, a busca incessante da Felicidade, da
Identidade, da Autonomia e da Liberdade do Ser, do Estar e do Pensar, consagram
Sete Anos no Tibet como o filme de
todas as eras, como o filme de todas as idades.
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[1] Heinrich Harrer (1912/2006) – geógrafo,
investigador, montanhista e escritor austríaco,
igualmente conhecido como Professor do jovem Líder Espiritual, Dalai Lama – escreve, em 1953, Sete Anos no Tibet
(Edições ASA -Junho de 2006), um livro autobiográfico, onde relata, com
pormenor, as suas experiências no Tibete, ocorridas entre 1944 e a
invasão do Exército Popular da China, no ano de 1950. A obra é adaptada
para o cinema pelo premiado realizador francês, Jean-Jacques Annaud, em 1997. São protagonistas,
cada um a seu modo, Brad Pitt (Heinrich
Harrer, ele próprio ou a sua sombra) e Jamyan Wangchuk, na pele do Dalai Lama, com 14 anos. Harrer
faleceu aos 93 anos. Ou melhor: partiu com grande serenidade rumo à sua
última expedição.
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