MARIA AMORIM |
Escrever sobre uma peregrinação não é
muito fácil, porque conseguir transmitir toda a envolvência emocional, que leva
a que o peregrino consiga chegar a bom porto, é uma tarefa um pouco complicada.
Tive o privilégio de acompanhar, como
voluntária do grupo de enfermagem, um grupo de cerca de 380 peregrinos. Um
grupo muito grande, com pessoas de diferentes faixas etárias, com preparação
física muito diversa, com profissões muito variadas, ou seja um grupo muito
heterogéneo, mas que tinha em comum o objetivo de fazer o caminho até Fátima a
pé.
Saímos no dia 5 de Maio e chegamos no
dia 11. Foram todos fazendo o percurso até Entre-os-Rios, individualmente ou em
grupos, e a partir desse ponto, no dia 5 de Maio por volta das 5 e meia da
manhã o grupo iniciou a sua peregrinação até Fátima. Todos levando consigo a sua devoção à Virgem Maria.
É muito comum ouvir questionar esta ida
a pé a Fátima, porque só quem já passou por momentos de grande aflição, de
imensa dor, sabe o quão consoladora pode ser a
Fé, o quanto pode apaziguar um
coração que chora, e evidentemente que quem não tem Fé nunca poderá entender
porque e como se faz uma promessa como esta.
Ouvi também alguém dizer que é como um
chantagem... Tu fazes-me o que eu quero e
eu vou a pé ter contigo a Fátima... Ora, ninguém chantageia a Virgem Maria,
pede-se em oração como se pede a uma mãe que nos ama, que
nos conceda uma
graça, e depois, vai-se com um sentimento de profunda gratidão, fazer o caminho
até Ela. E, esta força da Fé é o motor que ajuda o peregrino no caminho. Outros
há que vão sem terem feito promessas, vão simplesmente porque são gratos, pela
vida que têm, pela família, ou simplesmente fazem-no como um caminho de limpeza
espiritual.
É um caminho que começa todas as
madrugadas por volta da 5 e meia ou 6 da manhã, quer chova ou
faça sol, o grupo
avança em conjunto, sob o olhar atento dos guias que orientam o caminho. O
grupo de Enfermagem segue numa carrinha que vai parando ao longo do percurso permitindo
observar os peregrinos, ver como eles caminham e prestar assistência sempre que
solicitados, um dos enfermeiros faz o percurso na ambulância com um bombeiro
que conduz e o apoia. Além disso dão uma mão
à equipa da água, que vai
distribuindo água, fruta e bolachas ao longo do caminho. Por volta das 7 e
meia, oito horas é servido o pequeno almoço, por uma equipa que todos os dias
se preocupa em servir café, leite ou chá, pão com marmelada, queijo ou fiambre
a quem àquela hora já esta faminto. Nestas pausas, a equipa de enfermagem está
sempre disponível para tratar pés ou pernas cansadas, e, quase todos os dias
depois do primeiro são bastantes os clientes, pois as bolhas dos pés apertam e
incomodam o caminhar. E, depois, continua a caminhada, e eu, como Enfermeira,
não consigo deixar de observar como caminham, e com os meus colegas vamos
observando...Este logo precisa de um
cuidado especial, senão não vai conseguir continuar... respondemos aos
chamados, porque alguém se sentiu mal, seja pela dor ou porque já esta a
desanimar. Enfrentam chuva e vento ou sol, e caminham sempre em frente.
Terminada a jornada, são acolhidos por
todo os voluntários da cozinha e dos diversos grupos, com palmas emocionadas
para lhes darem os parabéns por uma jornada cumprida, e quase sempre a chegada é
regada com lágrimas de emoção. O almoço está pronto e é prontamente servido,
após o que vão tomar banho e podem descansar.
Aqui começa o meu trabalho (começa? Mas
eu já estou a pé desde as 4 da madrugada!), este é o trabalho que é mesmo meu,
e dos meus colegas de profissão, montado o nosso staminé, como nós dizemos,
começamos os cuidados a quem precisa, e os peregrinos vão chegando, com bolhas
nos pés, que nós vamos furando, com dores nas pernas que procuramos aliviar,
com massagens e muita conversa. E, vamos ouvindo as histórias do que os trouxe
até aqui, muitas sofridas, misturadas com lágrimas, e sabemos que por muita dor
que possam sentir pela caminhada, pior foi a dor que sentiram e que os trouxe
até aqui. O sentimento de gratidão pelo que ultrapassaram é que os vai fazer
chegar até Fátima, os nossos cuidados também, mas só esses nunca seriam
suficientes...
Essa troca de confidências, essas
conversas são a verdadeira riqueza que partilhamos,permite-nos crescer em Amor
pelos outros, e enche-nos de um sentimento difícil de fazer entender.
Os dias vão passando, vão-se criando
laços, no meio do desânimo, das lágrimas que procuramos aliviar, procurando dar
força e alegria aos caminheiros. O nosso cansaço não é nada perto do deles, e é
o deles que temos de aliviar, porque eles têm de chegar.
E, quando chegamos a Fátima, perto da
Mãe, a emoção é imensa, e nenhum sentimento se iguala ao sentimento de gratidão
que eu sinto nessa chegada, a esse sentimento de dever cumprido, à partilha de
emoções que unem todo o grupo.
Regresso sempre com o sentimento de que
foi um atestar de energia positiva que me retempera, e este ano de um modo
especial, por ter estado tão próxima do nosso Papa Francisco, que irradia paz.
Para terminar, nada melhor que citar a
Madre Teresa de Calcutá que diz : As mãos que ajudam são mais sagradas que os lábios que rezam... Poder pôr as minhas mãos ao serviço dos outros é a
minha melhor oração.
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