quinta-feira, 18 de maio de 2017

PEREGRINANDO

MARIA AMORIM
Escrever sobre uma peregrinação não é muito fácil, porque conseguir transmitir toda a envolvência emocional, que leva a que o peregrino consiga chegar a bom porto, é uma tarefa um pouco complicada.

Tive o privilégio de acompanhar, como voluntária do grupo de enfermagem, um grupo de cerca de 380 peregrinos. Um grupo muito grande, com pessoas de diferentes faixas etárias, com preparação física muito diversa, com profissões muito variadas, ou seja um grupo muito heterogéneo, mas que tinha em comum o objetivo de fazer o caminho até Fátima a pé.

Saímos no dia 5 de Maio e chegamos no dia 11. Foram todos fazendo o percurso até Entre-os-Rios, individualmente ou em grupos, e a partir desse ponto, no dia 5 de Maio por volta das 5 e meia da manhã o grupo iniciou a sua peregrinação até Fátima. Todos levando consigo a sua devoção à Virgem Maria.

É muito comum ouvir questionar esta ida a pé a Fátima, porque só quem já passou por momentos de grande aflição, de imensa dor, sabe o quão consoladora pode ser a
Fé, o quanto pode apaziguar um coração que chora, e evidentemente que quem não tem Fé nunca poderá entender porque e como se faz uma promessa como esta.

Ouvi também alguém dizer que é como um chantagem... Tu fazes-me o que eu quero e eu vou a pé ter contigo a Fátima... Ora, ninguém chantageia a Virgem Maria, pede-se em oração como se pede a uma mãe que nos ama, que
nos conceda uma graça, e depois, vai-se com um sentimento de profunda gratidão, fazer o caminho até Ela. E, esta força da Fé é o motor que ajuda o peregrino no caminho. Outros há que vão sem terem feito promessas, vão simplesmente porque são gratos, pela vida que têm, pela família, ou simplesmente fazem-no como um caminho de limpeza espiritual.

É um caminho que começa todas as madrugadas por volta da 5 e meia ou 6 da manhã, quer chova ou
faça sol, o grupo avança em conjunto, sob o olhar atento dos guias que orientam o caminho. O grupo de Enfermagem segue numa carrinha que vai parando ao longo do percurso permitindo observar os peregrinos, ver como eles caminham e prestar assistência sempre que solicitados, um dos enfermeiros faz o percurso na ambulância com um bombeiro que conduz e o apoia. Além disso dão uma mão
à equipa da água, que vai distribuindo água, fruta e bolachas ao longo do caminho. Por volta das 7 e meia, oito horas é servido o pequeno almoço, por uma equipa que todos os dias se preocupa em servir café, leite ou chá, pão com marmelada, queijo ou fiambre a quem àquela hora já esta faminto. Nestas pausas, a equipa de enfermagem está sempre disponível para tratar pés ou pernas cansadas, e, quase todos os dias depois do primeiro são bastantes os clientes, pois as bolhas dos pés apertam e incomodam o caminhar. E, depois, continua a caminhada, e eu, como Enfermeira, não consigo deixar de observar como caminham, e com os meus colegas vamos observando...Este logo precisa de um cuidado especial, senão não vai conseguir continuar... respondemos aos chamados, porque alguém se sentiu mal, seja pela dor ou porque já esta a desanimar. Enfrentam chuva e vento ou sol, e caminham sempre em frente.

Terminada a jornada, são acolhidos por todo os voluntários da cozinha e dos diversos grupos, com palmas emocionadas para lhes darem os parabéns por uma jornada cumprida, e quase sempre a chegada é regada com lágrimas de emoção. O almoço está pronto e é prontamente servido, após o que vão tomar banho e podem descansar.

Aqui começa o meu trabalho (começa? Mas eu já estou a pé desde as 4 da madrugada!), este é o trabalho que é mesmo meu, e dos meus colegas de profissão, montado o nosso staminé, como nós dizemos, começamos os cuidados a quem precisa, e os peregrinos vão chegando, com bolhas nos pés, que nós vamos furando, com dores nas pernas que procuramos aliviar, com massagens e muita conversa. E, vamos ouvindo as histórias do que os trouxe até aqui, muitas sofridas, misturadas com lágrimas, e sabemos que por muita dor que possam sentir pela caminhada, pior foi a dor que sentiram e que os trouxe até aqui. O sentimento de gratidão pelo que ultrapassaram é que os vai fazer chegar até Fátima, os nossos cuidados também, mas só esses nunca seriam suficientes...

Essa troca de confidências, essas conversas são a verdadeira riqueza que partilhamos,permite-nos crescer em Amor pelos outros, e enche-nos de um sentimento difícil de fazer entender.

Os dias vão passando, vão-se criando laços, no meio do desânimo, das lágrimas que procuramos aliviar, procurando dar força e alegria aos caminheiros. O nosso cansaço não é nada perto do deles, e é o deles que temos de aliviar, porque eles têm de chegar.

E, quando chegamos a Fátima, perto da Mãe, a emoção é imensa, e nenhum sentimento se iguala ao sentimento de gratidão que eu sinto nessa chegada, a esse sentimento de dever cumprido, à partilha de emoções que unem todo o grupo.


Regresso sempre com o sentimento de que foi um atestar de energia positiva que me retempera, e este ano de um modo especial, por ter estado tão próxima do nosso Papa Francisco, que irradia paz.

Para terminar, nada melhor que citar a Madre Teresa de Calcutá que diz : As mãos que ajudam são mais sagradas que os lábios que rezam... Poder pôr as minhas mãos ao serviço dos outros é a minha melhor oração.

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