RUI SANTOS |
Todos os anos, a 3 de Maio, comemora-se o Dia da Liberdade de Imprensa. Instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1993, esta efeméride assinala a importância que a liberdade de imprensa possui para todos os cidadãos. Embora nem todos os cidadãos a consideram essencial. Por exemplo, os apoiantes dos regimes totalitários entendem a liberdade de imprensa como algo subversivo e destruidor da ordem estabelecida. Será, então, mais correcto afirmar-se que a liberdade de imprensa possui uma importância incomensurável para todos os democratas. A sua importância advém do facto de necessitar para a sua concretização da existência de liberdade no seu sentido mais lato. Não é possível falar-se de liberdade de imprensa onde não exista ampla liberdade.
A questão da liberdade pressupõe a existência de direitos e deveres. No que toca à questão da liberdade de imprensa, estes foram estabelecidos em 1971 através de um documento conhecido como a «Declaração de Munique» e subscrito pelos representantes dos sindicatos e federações de jornalistas dos seis países que então constituíam a Comunidade Económica Europeia. O seu preâmbulo refere que «o direito à informação, à livre expressão e à crítica é uma das liberdades fundamentais de todo o ser humano» e o último ponto da parte referente aos deveres do jornalista afirma que este deve «recusar qualquer pressão e só aceitar directivas redactoriais por parte dos responsáveis da redacção». Anos mais tarde, em 1983, foi aprovada a «Declaração da UNESCO sobre os media» que institui a missão da imprensa ao considerar que «o povo e os indivíduos têm o direito de receber uma imagem objectiva da realidade pelo canal de uma informação precisa e completa, e de se exprimirem livremente por intermédio de diversos meios de difusão da cultura e da comunicação».
A liberdade de imprensa está associada à liberdade de expressão que por sua vez está consagrada no artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, uma das condições básicas para seu progresso e para o desenvolvimento de cada ser humano. Isto é particularmente verdadeiro para a livre troca de informações e ideias no contexto de debates sobre questões de interesse público, uma vez que a liberdade de expressão permite a todos nós participarmos num debate político livre e expressarmos nossas opiniões. Isto é especialmente relevante para aquelas pessoas que não estão no poder, como minorias, partidos de oposição política e sociedade civil.
A liberdade de expressão é concebida como algo tão importante que não só protege as informações ou ideias que são recebidas favoravelmente, ou consideradas como inofensivas, como também se aplica a informações ou ideias que ofendem, chocam ou perturbam o Estado ou qualquer sector da população. Aliás, é precisamente para as informações ou ideias desagradáveis para o Estado, ou que possam ofender algumas pessoas, que a liberdade de expressão é de vital importância. É claro que todos têm direito à liberdade de expressão, mas alguns grupos com um papel especial no debate político são particularmente protegidos por esta liberdade, nomeadamente os representantes eleitos do povo e os jornalistas. Membros do parlamento e outros representantes eleitos são vistos como porta-vozes das opiniões dos seus eleitores; os jornalistas são elementos importantes na divulgação de informações e opiniões políticas.
Há também um outro lado da liberdade de expressão. Mesmo numa sociedade aberta e democrática nem tudo pode ser dito. O artigo 10.º da Convenção deixa claro que a liberdade de expressão comporta deveres e responsabilidades. Em certa medida, as pessoas têm de ter em conta o impacto do que dizem. Isto significa que o Estado pode proibir expressões que possam prejudicar proporcionalmente os direitos dos outros ou a própria democracia. Obviamente, isso só pode ser feito sob condições muito rigorosas. Um limite muito importante à liberdade de expressão diz respeito à incitação à violência. Este tipo de discurso não está protegido pela liberdade de expressão do artigo 10º da Convenção Europeia. As formas extremas de discurso de ódio também estão excluídas da proteção do Artigo 10. Isto porque o pluralismo, a tolerância e a não-discriminação constituem os fundamentos de uma sociedade democrática.
Pode ser necessário, numa sociedade democrática, sancionar ou impedir as expressões que propagam, promovem ou justificam a intolerância e a discriminação. Por exemplo, os estados são autorizados a tomar medidas contra as expressões que promovem a discriminação racial. Insultar ou caluniar um grupo específico apenas justifica restrições à liberdade de expressão. Nas sociedades democratas e abertas deve ser constantemente procurado um equilíbrio entre os dois lados da liberdade de expressão. Por um lado, é essencial que as pessoas sejam capazes de expressar suas opiniões sobre política e sobre outras questões de interesse geral. Por outro lado, a proteção contra a violência e a discriminação às vezes justificam que o Estado interfira com a liberdade de expressão. Sendo assim, as sociedades abertas devem encontrar um caminho intermediário entre liberdade total e censura total na imprensa. As disposições sobre liberdade de expressão na Convenção Europeia dos Direitos Humanos ajudam as sociedades abertas e democráticas a encontrar o justo equilíbrio e a fazer valer a liberdade de imprensa dentro do seu espaço territorial.
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