BRUNO SANTOS |
O pequeno melro cresceu em cativeiro, dentro de uma pequena gaiola que tinha um daqueles tubos feitos de rede, que ele subia e descia repetidamente. Compulsivamente. Sem voar.
Certo dia veio um homem e levou-o para sua casa, onde tinha uma outra gaiola, mas muito grande, sem tubo, onde cabiam 4 ou 5 homens corpulentos. O melro, agora um pouco mais crescido, gostava mais dessa sua prisão nova, por ser grande e lhe permitir pequenos rasgos de voo, de um pouso para outro.
Todos os dias o homem vinha com uma malga de comida e outra de água fresca, abria cuidadosamente a porta da cela, metia-se lá dentro e voltava a fechá-la, sempre com todo o cuidado para que o pássaro não escapasse.
O melro comia e bebia muito bem e vivia razoavelmente satisfeito com o seu monótono quotidiano de prisioneiro abastado, chegando mesmo a nutrir uma estranha simpatia pelo homem que o tinha cativo. Mas qualquer coisa lhe dizia que a vida guardava segredos para si desconhecidos e punha-se muitas vezes a pensar, com uma estranha futura saudade, naqueles pássaros seus irmãos que via cruzar a nesga de céu que conseguia ver da sua jaula.
Certo dia o homem veio, como sempre, trazer-lhe água e comida. Mas dessa vez não tomou os cuidados do costume, distraiu-se com qualquer coisa divina e deixou a porta aberta mais tempo do que o normal. Mais tempo do que o aconselhável.
O pássaro reparou na possibilidade.
Sentiu uma estranha energia a circular entre o exterior e o interior da sua cela, através da porta aberta. Era como um rio invisível de força, um fluxo magnético que apelava a uma memória antiga. Ténue, mas ainda presente. Não hesitou.
Um golpe de asas fê-lo atravessar a estreita abertura e elevou-o ao pequeno muro do pátio onde parou por um instante. Olhou para trás e pôde ver o rosto atónito do seu carcereiro, os seus olhos muito abertos pelo espanto, mas nos quais se denunciava uma secreta alegria.
- Ah, malandro! Escapaste-me!
O melro, num salto, ergueu-se ao céu infinito. Voou como nunca tinha feito nem aprendido, uma mão invisível susteve-o no vazio das alturas e ele percorreu uns bons quinhentos metros até uma grande Bétula que havia no jardim da cidade. Passadas poucas semanas morreu. Sempre vivera em cativeiro e por isso não sabia caçar nem obter sozinho o alimento de que necessitava para se manter vivo. Foi definhando até que o seu corpo se desligou dele.
Mas o Jardim, onde até então só havia pombas velhas e gaivotas famintas, é hoje um imenso viveiro de lindos melros que rasgam o ar de árvore em árvore e deixam no azul do céu os traços eternos da Liberdade
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