quarta-feira, 31 de maio de 2017

PARTIDOS POLÍTICOS



RUI SANTOS
Os partidos políticos são os principais actores da maioria das democracias. Organizados em torno de ideologias, procuram alcançar os seus objectivos através, por exemplo, da presença nos parlamentos. Como tal, a liberdade de associação é um dos direitos humanos mais importantes para eles e está consagrada na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente no seu artigo 11.º:

1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses.

2. O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros. O presente artigo não proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destes direitos aos membros das forças armadas, da polícia ou da administração do Estado.

Na sua jurisprudência, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estabeleceu que aquele direito também se aplica aos partidos políticos. O direito à liberdade de associação permite a sua constituição e actividade partidária. De facto, os partidos políticos estão abrigados pela protecção especial nos termos do artigo 11.º e gozam de um nível de proteção maior do que outras associações. Tal acontece porque, de acordo com o tribunal, os partidos políticos são essenciais para o funcionamento da democracia.

Numa sociedade democrática, o Estado não prescreve uma única visão política para a população. Pelo contrário, é a essência da democracia que permite que os mais díspares valores e opiniões políticas sejam debatidos. Afinal, o pluralismo é uma das características fundamentais de uma sociedade democrática.

Um outro papel importante dos partidos políticos é proporcionar indivíduos para os diferentes cargos políticos. Os partidos políticos podem assim, uma vez que os seus membros são investidos nas funções políticas em virtude de um prévio escrutínio democrático, exercerem o poder político e terem uma palavra a dizer sobre a forma de governação. Devido a este importante papel reservado aos partidos políticos na democracia, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou que apenas razões de tal forma convincentes e imperativas podem justificar restrições à sua criação e ao seu funcionamento. Os Estados democráticos nunca permitiram a interferência na existência e actividade dos partidos políticos? Bem, em condições muito estritas, isso pode ser possível. Em vários casos, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deixou explícito que em uma democracia não há lugar para os partidos políticos que tenham como propósito prejudicar a própria democracia. Embora os partidos políticos possam ter diferentes pontos de vista sobre a forma como os problemas sociais devem ser abordados, ou sobre como um país deve ser governado, a maioria deles apoia as bases que estão na origem da democracia. No entanto, a ideologia ou actividade de alguns partidos podem ser contrárias aos princípios democráticos. Uma vez que os partidos políticos podem exercer poder político real, as suas actividades podem, portanto, apresentar um verdadeiro perigo para a democracia. Por essa razão, o tribunal considerou que os Estados podem por vezes, e em condições muito rígidas, restringir os direitos dos partidos políticos a fim de proteger a democracia. Essas medidas podem consubstanciar-se, por exemplo, na recusa da inscrição de um partido político num acto eleitoral. Um impedimento deste tipo será a medida mais extrema que um Estado poderá tomar. Todavia, uma proibição referente à actividade de um partido político pode representar, de alguma forma, um paradoxo. Por um lado, os partidos políticos são essenciais para o funcionamento da democracia; gozam de salvaguardas máximas em relação à sua liberdade de associação. A este respeito, deve-se ter presente que conceder muito poder a um Estado pode contribuir que, mais tarde ou mais cedo, o autoritarismo surja como característica desse mesmo Estado. Mas, por outro lado, as restrições às vezes podem ser necessárias para a democracia ser protegida. Veja-se o caso da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a respeito deste dilema.

Na década de 1990, o partido turco Refah Partisi tornou-se assunto de debate porque rejeitou a organização laica do estado turco. Em vez disso, o partido acreditava que a Turquia deveria ser governada por um regime baseado na lei islâmica da Sharia. O Refah Partisi era um partido popular e que tinha um número significativo de cadeiras no parlamento turco. Contudo, o tribunal constitucional turco descobriu que o objetivo do partido era incompatível com a noção de laicismo e que esta era uma característica fundamental da democracia turca. Por conseguinte, o tribunal constitucional considerou o partido inconstitucional e proibiu-o. O Refah Partisi recorreu então ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos alegando que a proibição era uma violação do seu direito à liberdade de associação e que um regime democrático não é incompatível com alterações na organização do Estado. O tribunal, no entanto, considerou que um partido político é protegido pelo artigo 11.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos sob duas condições. Em primeiro, os meios utilizados pelo partido para realizar seus objectivos políticos devem ser legais e democráticos. Como resultado, os partidos que advogam o uso da violência para provocar mudanças na lei ou na estrutura de um Estado não estão protegidos pelo artigo acima referido. Em segundo lugar, as mudanças propostas pelo partido devem ser compatíveis com o conceito de sociedade democrática, isto é, com o pluralismo e a não discriminação. No que toca ao Refah Partisi, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos concluiu que a sua finalidade – construir um regime baseado na lei da Sharia – era incompatível com o conceito de sociedade democrática. O tribunal observou igualmente que o facto do Refah Partisi possuir um número significativo de cadeiras no parlamento turco significava que o partido tinha oportunidades reais para pôr o seu plano em prática. Sendo assim, concluiu que a proibição do partido era necessária para a continuação da existência de uma sociedade democrática. Desta forma, fica patente como a democracia europeia criou mecanismos de auto-protecção para evitar deslizes que possam ocorrer e ponham em causa a sua continuidade. Confie-se nas instâncias judiciais para a manutenção de algo que está presente na identidade europeia: a democracia.

Sem comentários:

Enviar um comentário