quarta-feira, 17 de maio de 2017

OS DIREITOS DOS MIGRANTES E DOS REQUERENTES DE ASILO POLÍTICO

RUI SANTOS
Quando se fala em sociedades abertas fala-se sobre inclusão. Numa sociedade aberta, todos devem ser autorizados a participar, não existindo espaço para qualquer tipo de discriminação. Mas que dizer daqueles que não são, ou ainda não o são, cidadãos dessa sociedade? Pense-se nos migrantes provenientes do espaço exterior à União Europeia, ou em todos os requerentes de asilo político que fugiram de conflitos armados, ou perseguições nos seus países de origem, e procuraram protecção num país europeu. Devem ser incluídos na sociedade em pé de igualdade com os autóctones? E até que ponto beneficiam dos direitos e liberdades garantidos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos?

Tradicionalmente, decidir sobre a entrada e residência de migrantes, ou requerentes de asilo político, pertence à soberania de cada país. No entanto, a lei referente aos direitos humanos tem limitado cada vez mais a liberdade dos Estados excluírem, ou expulsarem, dos seus territórios os migrantes e requerentes de asilo político. Isto não significa que estes tenham o direito de aceder a um Estado membro da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Em grande medida, cada país ainda possui o direito de decidir sobre quem pode ser admitido no seu território. Contudo, alguns direitos dos migrantes, ou requerentes de asilo político, são protegidos pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Há duas explicações para que tal aconteça. Em primeiro lugar, o artigo 1 da Convenção obriga os Estados a garantir os direitos e liberdades garantidos pela Convenção a todas as pessoas sob sua jurisdição. Isso significa que esses direitos também se aplicam a todos os que não são cidadãos nacionais. Basta estarem fisicamente presentes, no território de um Estado signatário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e que o Estado tenha algum controlo sobre a situação dessas pessoas. Em segundo lugar, a proibição da discriminação limita a liberdade dos Estados em lidarem com migrantes ou requerentes de asilo político. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considera não serem permitidas formas de discriminação baseadas na nacionalidade de alguém ou em algum estatuto jurídico. Além disso, o tribunal reconheceu os requerentes de asilo como um grupo vulnerável. Em virtude do que passaram enquanto fugiam dos seus países, e tendo em consideração as experiências traumáticas que provavelmente sofreram nos seus territórios de origem, podem precisar de proteção especial.

Mesmo que alguém tenha obtido acesso ao território de um Estado da Convenção, ele ainda goza da proteção da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Além disso, alguns outros direitos e liberdades instituídos pela Convenção são particularmente relevantes para os migrantes ou requerentes de asilo político. Estes incluem, em primeiro lugar, os artigos 2 e 3 do texto da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. O artigo 2 protege o direito à vida. Este direito, não só proíbe os Estados de matar intencionalmente alguém, mas também os proíbe de extraditar alguém para um Estado onde uma pessoa é susceptível de ser morta de forma intencional. Isto significa, por exemplo, que determinado Estado não está autorizado a enviar um suspeito num processo criminal para um outro Estado onde provavelmente receberá a pena capital. O artigo 3 da Convenção estabelece que ninguém será submetido a tortura, a tratamentos ou penas desumanos ou degradantes. Esta disposição não se aplica apenas às acções empreendidas pelos próprios Estados europeus. Também lhes está vedado enviar alguém para estados, onde possa enfrentar um risco real de ser torturado, ou submetido a tratamento desumano. Os países membros da Convenção Europeia dos Direitos Humanos não podem simplesmente dizer que aquilo que aconteça com alguém para lá das suas fronteiras não é da sua conta. Eles têm a responsabilidade de garantir que o direito de alguém a não ser torturado seja respeitado também no país que receba essa pessoa por via da extradição. Este direito revelou-se crucial para muitos requerentes de asilo político.

Outro direito particularmente importante para os migrantes, ou requerentes de asilo político, é o direito ao respeito pela vida privada e familiar e que está protegido pelo artigo 8 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Em alguns casos, a vida familiar só pode ser protegida de forma eficaz se os Estados derem uma autorização de residência a familiares estrangeiros de alguém que viva legalmente num qualquer país europeu. Da mesma forma, o direito ao respeito pela vida privada e familiar pode significar que um imigrante não pode ser simplesmente expulso. Às vezes, os estados podem querer fazê-lo porque um migrante representa uma ameaça à ordem pública nacional. Por exemplo, porque ele está envolvido em alguma actividade criminosa. Mas se o facto de ao deixar o país de acolhimento significar que ele não é mais capaz de cuidar dos seus descendentes directos, tal expulsão não pode ser permitida.

É fácil perceber-se que muitos casos relativos aos direitos e liberdades dos migrantes, ou requerentes de asilo político, envolvem avaliações e escolhas difíceis. A questão é exatamente saber como é que sociedades abertas, como as que fazem parte da União Europeia, se devem relacionar com todas aquelas pessoas que não são seus cidadãos. Certamente, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos é aplicável a todos. No entanto, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem de respeitar os direitos dos Estados de decidir quem querem incluir nas suas sociedades. Eles podem ter razões válidas para negar o acesso a alguém, ou expulsá-lo do seu território. Pode-se concluir que os limites de inclusão e exclusão são particularmente difíceis de desenhar nesta área e estão em constante desenvolvimento. Este é também um desafio para o futuro da União Europeia e para a sua missão de constituir uma vanguarda em termos de direitos humanos no planeta. Pena é que os recentes movimentos populistas, de direita e de esquerda, que têm surgido na Europa nos últimos anos tenham enviesado esta discussão. No entanto, a justiça quer-se cega e é de olhos vendados que ela tem de caminhar, independentemente daquilo que alguns políticos querem implementar no espaço territorial europeu.

Sem comentários:

Enviar um comentário