MOREIRA DA SILVA |
O furacão Salvador, que se localizou no centro de Exposições de Kiev, na Ucrânia, e atingiu em cheio o Festival Eurovisão da Canção 2017 foi provocado pela canção portuguesa “Amar pelos dois”, que arrasou toda a concorrência, com uma votação histórica. Esta cantiga ternurenta que prima por uma enorme simplicidade originou um forte vendaval de emoções em Portugal, mas depressa se desenvolveu por toda a Europa e se alastrou a uma escala quase planetária.
A canção portuguesa foi uma agradabilíssima surpresa que provocou a rendição da Europa a Salvador e como recompensa ofereceu ao nosso país a vitória tão almejada e perseguida há mais de meio século. Desde 1964 que Portugal marcou quase sempre presença no certame, mas foram poucas as vezes que conseguiu colocar uma canção nos dez primeiros classificados, tendo obtido muitas classificações pouco honrosas.
A receita para conseguir trazer o troféu para Portugal foi a apresentação a concurso de uma canção lindíssima, nada “eurovisiva”, com uma bonita mistura de ritmos e influência do folk e da bossa nova, cantada em português por um cantor genuíno e simples, com uma voz doce que cruza as raízes do jazz, com as sonoridades da América Latina.
A canção “Amar pelos dois”, que obteve uma extraordinária vitória, também foi consagrada pelo público e pelo próprio júri da Eurovisão. A autora desta composição de grande qualidade é a irmã de Salvador, Luísa Sobral, que escreveu a música, que é um sentimento e não um fogo-de-artifício, como disse Salvador, e a letra inspiradora e ternurenta, que toca profundamente os nossos sentidos e os nossos corações.
Cantada em português, a canção “Amar pelos dois” magnetiza-nos de imediato, embala-nos com a sua sublime harmonia e entra em nós para massajar o nosso ego de português, que está sempre de portas abertas para receber este tipo de mimos. Também é com esta espécie de ofertas, que o nosso ego se vai fortalecendo. Sem qualquer exacerbamento nacionalista, mas com um saudável sentimento patriótico pode-se afirmar que existem muitos portugueses que são, na sua especialidade, do melhor que há no mundo, em diversas áreas do entretenimento, da cultura, do desporto, do conhecimento e outras.
É por tudo isto que temos que agradecer à Luísa e ao Salvador, pela mensagem sentida e pela verdadeira lição de amor à música, à poesia e à língua portuguesa, num festival dominado por canções em inglês. Um amor introduzido deliciosamente na canção, que os catapultou, a eles e a Portugal, para as bocas do mundo. Esta vitória portuguesa também abalou o poder quase hegemónico da língua inglesa para as canções. Que grande orgulho em ser português!
Em períodos de conjuntura desfavorável para a nação, os portugueses ficam esperançados numa aurora redentora. Portugal, ao longo da sua história, já teve muitos momentos inesquecíveis, mas também criou alguns mitos, alguns heróis, alguns Salvadores da Pátria. É óbvio que Salvador (Sobral) não chegou numa manhã de nevoeiro, não é um Salvador da Pátria, mas tão só um músico e cantor, um herói que é um anti-herói, uma vedeta que não quer ser vedeta.
Obrigado aos irmãos Sobral pela canção “Amar pelos dois”, que tem o condão de atravessar a nossa alma e alojar-se no nosso coração. A vossa vitória que também é nossa deu um forte contributo para alimentar o ego nacional.
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