sexta-feira, 5 de maio de 2017

PELOS CUIDADOS PALIATIVOS, MARCHAR, MARCHAR

JOÃO RAMOS
O século XX e o inicio do século XXI foi marcado pela melhoria significativa dos cuidados de higiene, saúde e alimentação, o que se refletiu no aumento da esperança média de vida das populações, especialmente dos países ocidentais. No entanto, nas últimas duas décadas, os serviços de saúde começaram a colocar demasiado enfoque no prolongamento da duração do período de vida, o que leva a que médicos e pessoal clínico apostem em tratamentos com baixas probabilidades de sucesso. A este respeito, repare-se que nos EUA, mais de 1/3 das operações são realizadas no último ano de vida dos pacientes, o que gera enormes conflitos entre doentes e famílias. Afinando pelo mesmo diapasão, numa mega investigação realizada a quatro países (Japão, India, Brasil e Itália) pela The economist, os autores descobriram que com exceção do Brasil, por questões religiosas, apenas uma fração muito pequena da população considerava o prolongamento da esperança de vida mais importante, do que a possibilidade de morrer sem sofrimento. Além disso, entre 25% e 38% dos familiares asseguraram que os seus entes queridos haviam sido submetidos a tratamentos desnecessários, que apenas contribuíram para agudizar a sua dor.

Nas avaliações clinicas, os médicos tendem a mostrar-se excessivamente otimistas quanto às perfectivas de sobrevivência dos seus pacientes, apostando de forma recorrente em tratamento de “choque” em doentes terminais. Neste cenário, a importância dos cuidados paliativos aumenta de forma considerável, especialmente em populações envelhecidas, como a portuguesa. Diversos estudos compararam os efeitos dos cuidados paliativos em relação a tratamentos de choque, como quimioterapias, concluindo, que os grupos que foram expostos ao primeiro tratamento apresentavam menor probabilidade de reporte de dor, sofrimento e depressão. Os autores constataram ainda que os pacientes que tiveram acesso aos cuidados paliativos beneficiaram de um prolongamento médio de vida de 1 ano, ao passo que os restantes ficaram-se pelos 9 meses. Estes valores explicam-se pela intensidade dos tratamentos, pela maior exposição a doenças infeciosas em ambiente hospitalar e pelos inconvenientes/riscos associados ao transporte dos doentes.

Apesar da sua importância para a sociedade, os cuidados paliativos são prestados a uma pequeníssima parte da população. Analisando 80 países, a The economist constatou que apenas a Áustria e os EUA possuem capacidade instalada que possa absorver mais de metade dos pacientes em situação terminal. A grande maioria, nas quais se incluí Portugal, garantem o acesso mas não apoiam financeiramente os tratamentos, o que torna os custos verdadeiramente incomportáveis para as famílias, incapazes de dispor de somas que ascendem aos 700 euros/semana. Porém se contabilizarmos os gastos associados a tratamento desnecessários como cirurgias ou quimioterapias e o número de pacientes que dão entrada nas urgências motivados por complicações clinicas, as opções tradicionais podem sair bem mais caras ao contribuinte. Deste modo, seria perfeitamente possível alocar os recursos referidos aos cuidados paliativos, sem que isso se refletisse num aumento considerável dos custos para o Estado. Mesmo o pessoal clinico deveria receber instruções no sentido adotarem novos comportamentos e privilegiarem a qualidade do final de vida dos doentes.

Como resultado, é cada vez maior a pressão das populações para o crescimento da oferta de cuidados paliativos, que assegurem um final de vida digno e sem sofrimentos aos seus familiares. Mais do que uma vida longa, o Estado é responsável por prestar aos seus cidadãos os cuidados adequados e que melhor sirvam os seus interesses. Assim sendo, comecem por esta via.

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