ANABELA BORGES |
Desta vez,
decidimos fazer a viagem de carro. Deste modo, poderíamos aproveitar para
conhecer algumas cidades que nos ficariam em caminho, ou próximas, de Madrid.
Partimos de
Amarante, rumo a Trás-os-Montes, em busca de passar essa linha imaginária que
separa os dois países ibéricos, vulgo “fronteira”. Já tínhamos realizado alguns
percursos Portugal-Espanha, mas nunca o tínhamos feito por Bragança.
A viagem foi
rápida, cortando as goelas do grandioso Marão, graças ao famoso túnel,
maravilha da engenharia de ponta dos tempos modernos.
Para trás, ia
ficando um rumor de campos desertos, de velho, cenários vazios e secos, de
palha, como é costume apresentarem-se no Verão. Tudo ia ficando para trás,
rápido e oblíquo, como aves silenciosas. Ficavam também para trás os nomes dos
lugares por onde passávamos, uns que já conhecíamos e outros que não, como
Mouçós, em Vila Real, a bela aldeia de Romeu, já em Mirandela, a famosa aldeia
de Podence, assim como Pinela, Portelo, Quintanilha, Rossas…
Já levávamos
cerca de duas horas de caminho. Saíramos cedo e já havia fome. Pelas dez da
manhã, eis-nos chegados à primeira paragem: Zamora.
Como íamos
destreinados de vocabulário, tivemos logo ali um pequeno embaraço. Entrámos num
café-bar. Queríamos pedir o pequeno-almoço, mas a palavra almoço soou estranha ao castelhano, por lhe parecer que seria ainda
cedo para o almuerzo. Ora, eu tinha a
palavra certa para pequeno-almoço a desenrolar-se
debaixo da língua, mas desenrolou-se mal e em vez de desayuno saiu-me desarollo.
Como não estava a compreender o desenvolvimento
do diálogo, o senhor do café apresentou uma expressão de puro espanto, mas logo
associou a palavra trocada ao termo certo, e, pronto, lá fizemos o desayuno com grande satisfação. Não se
falou mais do embaraço, não fosse o senhor pensar que eu estava embarazada (enfim).
Naquele mesmo
momento, fiz logo o que devia ter feito em casa quando me dediquei a preparar a
viagem: instalei, no smartphone, uma
aplicação com um dicionário de espanhol, para evitar, futuramente, dizer mais
disparates. Esqueço-me sempre de que o castelhano é fácil de compreender
enquanto língua, muito semelhante ao português na sua formação, mas muito
diverso no vocabulário. Assim, não passei mais vergonhas em terras de Espanha, nem
fiz figuras tristes, para pedir um garfo, ou uma faca, ou uma colher, ou assim
(experimentem!).
Zamora é uma
cidade pequena e acolhedora, na envolvência do românico que a caracteriza. Os
seus habitantes são simpáticos e cordiais.
Passeámos por las calles, avistando o belo
casario, com tudo muito bem preservado, com o castelo, a catedral, o palácio de
Dona Urraca, a imponente estátua de Viriato, e o rio Douro, correndo para o
nosso Portugal, ali mesmo aos pés da cidade.
Foi uma visita
curta e agradável. Havia ainda muitos quilómetros pela frente.
Continuámos
viagem.
Segunda paragem:
Tordesilhas.
Ora,
Tordesilhas, Tordesilhas, nome sonante da História. Mas: histórias! (Já vos vou
contar tudo).
Chegámos a esta
cidade por volta das duas da tarde. Levávamos farnel (desconfio que foi a nossa
safa) e fomos comê-lo num um belo jardim, com gatos por companhia, num alto da
cidade, de onde avistávamos a ponte romana e estávamos, mais uma vez, com o
belo Douro aos pés, vagarosamente correndo para o nosso Portugal.
Belo jardim!
Bela paisagem!
Depois dessa
agradável pausa para almoço, fomos a pé em direcção à Plaza Mayor, em busca de um café. Andando por las calles, fomos verificando a forte influência árabe deixada
nessas paragens, por demais marcante, mas não muito preservada, dando sinais de
desgaste, em muitos casos com edifícios de rara beleza a necessitar de urgente
intervenção.
Azar dos cabrais,
como é costume dizer-se na minha terra, não foi fácil encontrar um café que
servisse café. Tordesilhas mais
parecia uma cidade fantasma àquela hora do dia. Quem nos mandou?
Quem nos mandou
querer visitar a cidade àquela hora?
Banhos árabes,
mosteiro de Santa Clara, capela de Alderete, Casa-Museu do Tratado,
(senhores!), entre outros monumentos, foram todos visitados… por fora. Maldita siesta!
Sempre pensei,
tive a esperança, vá, que esses lugares “para turista visitar” se mantivessem
abertos na hora da sesta. Mas não. Tudo fechado, igrejas e tudo. É uma situação
um tanto ou quanto incompreensível, mas nada poderíamos fazer.
Não deixou de
ter o seu encanto o facto de nos encontrarmos no local onde, em 1494, uma
embaixada dos reis católicos e outra de D. João II dividiu o mundo conhecido e
por conhecer em duas metades, como se de uma laranja se tratasse.
E foi de grande
proveito o passeio pelas ruas estreitas e antigas, assim como a apreciação da
belíssima escultura “mãos e tronco” de homenagem à princesa Joana, a Louca, que
estava ali, imponente, no alto da cidade para nos receber, essa que depois foi
rainha e, considerada louca, foi destituída e mantida em cativeiro, num castelo
em Tordesilhas, durante 51 anos, até à hora da sua morte.
Seguimos viagem.
O dia estava quente e seco, avistávamos planícies e mais planícies a perder de
vista, dando, por vezes, a estranha ilusão de que se distinguia o mar no
horizonte. Lá fomos, naqueles rumos perdidos na imensidão geográfica. A próxima
paragem, e a mais ansiada, estava ainda longe.
Aguardava-nos
Madrid.
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