sábado, 10 de dezembro de 2016

DOS VIRTUAIS AO ALUGUER DE AMIGOS

JORGE NUNO
Falar de amor, ou mesmo de amizade, nem sempre é fácil, ainda mais por parecer que as palavras ficam esvaziadas de sentido. Não foi por acaso que escrevi um poema, que intitulei “Embelezar o que é belo?”, ao pretender escrever sobre o amor, realçando os equívocos em torno da palavra e conceito, a que associei a seguinte frase de Blaise Pascal (1623–1662): “Clareza de espírito significa igualmente clareza na sua paixão. É por isso que uma mente superior e clara ama com ardor e vê distintamente aquilo que ama”. Identifico-me, claramente, com o conteúdo desta frase. Mas pegando numa outra frase – a de Mário Quintana (1906–1994) –, que diz: “A amizade é um amor que nunca morre”, vejo-me tentado a abordar a importância da amizade, sob diversas formas.

Longe vão os tempos de brincadeiras na rua, em que as crianças conviviam de forma salutar, com exercício físico natural, mesmo que pelo meio se registassem episódios menos agradáveis. A verdade é que passados os instantes do rebuliço, apenas ficavam temporariamente os sinais, como uma camisa rasgada, um joelho esmurrado, a repreensão de um adulto… e logo se reatava a brincadeira e cimentava a amizade, que se prolongava pela vida fora, caso se continuasse a viver na mesma localidade.

Lembro-me quando atingi a maioridade e frequentava a Escola Náutica, em Lisboa, fiz algumas passagens pelo clube Stella Maris – que faz parte da organização católica internacional que visa “proporcionar bem-estar, hospitalidade e apoio espiritual a todos cujas vidas dependem do mar –. Havia momentos descontraídos, sem “segundas intenções”, que proporcionavam a integração numa cidade desconhecida, o convívio e a criação de laços de amizade, tratando-se de amigos e amigas que nunca mais vi, mas que tiveram muita importância pessoal naquela época.

Não gosto de ficar preso ao passado, pois muita coisa mudou e continua a mudar, a uma velocidade vertiginosa. Sinto que o melhor que temos a fazer é mantermo-nos na crista da onda e aproveitarmos para surfar, gozando o momento atual. E no momento atual, nas nossas vidas, estão os familiares e amigos, que nos acompanham na viagem.

Foi com o aparecimento das redes sociais on-line que muita coisa mudou, ao nível relacional. Encontrámos amigos que julgávamos ter perdido, reativando essa amizade, com redobrada intensidade. Criámos novas amizades e convivemos à distância. Chegámo-nos a encontrar, presencialmente, com alguns desses “amigos virtuais”, descobrindo que, afinal, parece que éramos amigos há uma eternidade! E como o mundo conturbado está a precisar da criação de fortes laços de amizade!

Li algures que “a amizade é uma força permanente, que não se compra, não se aluga, não se vende. Nasce e morre com a gente”. Sem querer misturar “alhos com bugalhos”, sabe-se que há quem procure acompanhantes de luxo para viagens de negócios, havendo, ao fim de algum tempo, relações de grande cumplicidade e de amizade (para não ir mais longe). Com o surgimento das passagens aéreas, em voos low cost, a partir de € 8 (quando um bilhete de autocarro ronda os € 15, para cobrir uma distância de 220 kms entre duas cidades) é natural haver agora mais pessoas a viajar, a baixos custos, para outros países; tal como é natural o surgimento de uma resposta às necessidades daqueles que se deslocam e não conhecem o local para onde se dirigem. É aqui que entra uma nova atividade económica: alugar amigos! Sim, há algumas plataformas tecnológicas, como a “Rent a Local Frend”, que permite alugar um amigo, a exemplo das que há como alternativa ao táxi – caso da Uber e Cabify –. Este serviço de aluguer de amigos existe em dezenas de cidades mundiais e permite contratar pessoas comuns, que possam levar o visitante a locais imperdíveis, que saem fora dos circuitos organizados. No fundo, é o mesmo que contratar um amigo a mostrar-lhe os pontos de interesse da sua cidade, no que tem de mais genuíno e caraterístico. Para que se fique com uma ideia dos preços, enquanto em Nova Iorque o acompanhamento diário, por parte de um amigo, pode rondar os 160 USD, em Lisboa oscila entre € 100 e € 120. Há outros serviços idênticos locais, direcionados a pessoas que têm problemas de solidão e gastam quantias significativas em medicamentos para dormir e em antidepressivos, quando, provavelmente, bastaria encontrar alguém disponível para ouvir e acompanhar. Mas atenção, há mesmo serviços de “acasalamento”, procurando o parceiro ideal, bem patente na expressão sorridente daquele sujeito patusco no anúncio da televisão, que dizia: “Estou marabilhado!”

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