BRUNO SANTOS |
Há uns anos, apareceu na Europa um movimento – chamemos-lhe assim – com o nome de Zeitgeist, uma palavra da língua alemã que pode ser traduzida por Espírito do Tempo. O principal instrumento de comunicação deste movimento foi um documentário, um filme, com o mesmo nome, produzido por Peter Joseph, que abordava, na mesma linha argumentativa, temas como a História do Cristianismo, os ataques de 11 de Setembro, a Federal Reserve, a Guerra e aquilo que ficou conhecido por NWO, a sigla inglesa da Nova Ordem Mundial.
O filme teve um impacto muito significativo em certos meios internacionais e ajudou, de algum modo, a estabelecer e promover uma leitura da História que não era comum encontrar-se nos ambientes ortodoxos do mainstream que, normalmente, veiculam uma narrativa histórica estabelecida de acordo com padrões ideológicos pré-definidos, que servem de cimento psico-político e psico-social à mais poderosa estrutura de poder instalada no mundo, que é, de facto, uma Religião que dá pelo nome de Protestantismo, e cujo Deus, o seu instrumento mágico, espiritual e operativo fundamental, é o Dinheiro.
A verdade é que, sob a aparência de uma sociedade laica, totalmente dessacralizada, com Instituições “profanas” depositárias do Poder terreno e corporizadas num Estado que se afirma separado das Igrejas e dos cultos confessionais, aquilo a que realmente assistimos é uma exímia e poderosíssima expansão global do poder Protestante, que soube, como nenhuma outra religião, adoptar as transfigurações simbólicas e mitológicas adequadas no sentido de conferir aparência secular e profana a estruturas que, na verdade, assentam em rituais, símbolos e arquétipos religiosos, alguns dos quais mágicos, cuja origem se estabeleceu in illo tempore.
Estas e outras matérias têm alimentado, ao longo dos anos, algumas teorias da conspiração cuja credibilidade é muitas vezes posta em causa, quer pelo excesso de imaginação dos seus adeptos e divulgadores, quer pela inexactidão histórica, factual, científica ou até filosófica, dos pressupostos em que essas teorias assentam. Contudo, este princípio não é generalizável a todas essas teorias conspirativas.
Existem hoje leituras correctas, embora ainda marginais, do curso da História e dos diferentes movimentos sociais e políticos que se foram sucedendo e influenciando, leituras essas rigorosas e verificáveis nos principais postulados, que até há bem pouco tempo eram designadas depreciativamente como Teorias da Conspiração e relegadas para as margens do discurso, onde a fantasia e os excessos fabulosos habitam.
Recorde-se, por exemplo, que a RTP 2, um canal público de televisão, chegou a transmitir, no ano de 2006, um documentário com o título de Loose Change, no qual se coloca em causa a versão oficial sobre os atentados de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, defendendo a teoria, sustentada em provas documentais e testemunhais, que se tratou, na verdade, de um ataque terrorista “interno”.
Mas já antes, em 1998, a fabulosa indústria de mitos da Califórnia lançara um dos mais perturbadores filmes do final do século XX, The Truman Show, um verdadeiro hino à Teoria da Conspiração, que coloca os mais ínfimos e íntimos detalhes da vida de um cidadão, e as suas dimensões sociais, psicológicas e ontológicas, no plano irredutível da ficção. Este extraordinário filme nada mais conta, afinal, do que a Verdade.
Dá-se hoje um caso curioso, cuja exploração mediática atingiu proporções inéditas na História recente, com o novo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O discurso elaborado pelos media e difundido à escala global, tratou de fazer passar a ideia de que o fenómeno da sua eleição fora um lapso da democracia e da História, um erro escatológico baptizado com o nome de Populismo, entronizado como Inimigo pelo mainstream, ridicularizado na sua consistência programática, na sua habilitação funcional para o exercício do Poder, até na sua preparação e, portanto, legitimidade, intelectual, filosófica e científica para assumir a liderança de uma grande potência económica, cultural e bélica como é o caso dos Estados Unidos. Nada mais errado, contudo. O Think Tank que elegeu Donald Trump é dos mais consistentes e competentes da História, e a sua doutrina filosófica, de matriz esotérica e com milénios de Tradição, é na essência um dogma religioso. Um dos poucos que, neste momento, pode fazer frente ao Protestantismo na luta pelo domínio das almas que habitam este mundo.
Comete-se demasiadas vezes o erro de se pensar que a Religião é uma escolha individual, que ser ou não ser religioso é uma opção que resulta do livre arbítrio de cada um. Diz-se, erradamente, que o Estado, as organizações ou os indivíduos auto-intitulados laicos, ateus ou agnósticos, são estruturas ou organismos vivos e conscientes não religiosos pelo facto de negarem, não validarem, ou simplesmente ignorarem a existência de Deus. Acontece que Deus não pede licença aos Homens para existir. Ele Está, quer se queira, quer não, tanto no plano simbólico como operativo, na dimensão espiritual ou material, criadora ou destruidora, chame-se ele Javé, Adonai, Grande Arquitecto, Cristo ou, simplesmente, Dinheiro. A Religião é uma pulsão inata do ser humano, integra a sua matriz psíquica e espiritual primitiva, e não deve ser confundida com os fenómenos mediadores, eclesiásticos, iniciáticos ou outros, através das quais se manifesta e materializa.
A televisão, as redes sociais, a comunicação social, os hipermercados, estádios de futebol, centros comerciais, os partidos políticos, as instituições do Estado, são utensílios mágicos e evangelizadores de um dogma religioso com rituais estabelecidos sobre a mesma matriz mitológica e simbólica de qualquer outro credo. O seu Deus presente é o Dinheiro, pois é ele o símbolo máximo da Ética e da Transfiguração Protestantes.
Em resumo, e não entrando em detalhes de natureza simbólica que constituem o corpo ritual de associações secretas, ou discretas, como agora se diz, espalhadas em rede por todo o mundo ocidental, e mais além, é isto que justifica que o Partido Trabalhista holandês, onde milita o nosso amigo do Eurogrupo de nome impronunciável, um torcionário liberal e fundamentalista da austeridade e do Dinheiro, use como símbolos identificativos o Punho e a Rosa, representados em suma abstracção simbólica no 9 e no 18, respectivamente, exactamente os mesmos símbolos que encontramos em organizações políticas que julgamos nos antípodas daquela ideologia torcionária e fundamentalista aos pés da qual Portugal foi esmagado, como é o caso do Partido Socialista, por exemplo. Desengane-se, contudo, quem pensa que se trata de mera coincidência. Trata-se, na verdade, da partilha de uma certa filiação iniciática, ou contra-iniciática, de matriz religiosa não eclesiástica, ou seja, laica, mas cujo universo simbólico é o mesmo.
Quando a maioria de nós olha para uma chave de fendas vê um utensílio de trabalho cuja função consiste e apertar e desapertar parafusos. Esse é o valor operativo do símbolo que está de acordo com uma hermenêutica da ascendência, a visão benigna do mundo e da vida que coloca o Homem e os seus símbolos num caminho da evolução rumo a estados superiores de Consciência. Mas a chave de fendas pode ser também usada como arma e com ela cometerem-se crimes que atentem contra a própria vida. Essa é a face operativa do símbolo que revela a visão maligna do mundo, essa visão da entropia contra-iniciática que coloca o Homem no caminho da involução, fazendo-o descer a estados inferiores de Consciência, excessivamente próximos da barbárie, ou mesmo encarnando, integralmente, a barbárie.
O nosso tempo revela esta contradição com particular acuidade. São demasiados aqueles que se camuflaram com a pele do cordeiro e se esconderam atrás de símbolos de valor mágico ancestral mas que, na realidade, são lobos famintos em busca de uma saciedade que só encontrarão com o final dos tempos, na coroação do modelo involutivo que veneram.
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