PAULO SANTOS SILVA |
O tema já por aqui andou por estas páginas, mais propriamente no dia 4 de março de 2015 – o Festival da Canção. Na altura, terminei a crónica escrita logo a seguir à apresentação das primeiras seis canções, perguntando se alguém me sabia dizer a que horas começavam as canções do Festival da Canção.
Confesso que desde aí que pouca ou nenhuma atenção tenho dado ao evento. Por um lado, pela pouca qualidade que as composições a concurso apresentavam. Por outro, pelo facto de a canção vencedora ir representar Portugal ao Festival Eurovisão da Canção, que desde a introdução do televoto foi desvirtuado na sua essência, mais se assemelhando a um festival de performance em que o espetáculo que a atuação proporciona é que mais conta, em detrimento da qualidade da composição (letra e música) e da qualidade do intérprete.
Para esta edição, a RTP entendeu convidar músicos de créditos firmados de entre os quais se destacam, entre outros, João Só, João Pedro Coimbra (dos Mesa), Pedro Silva Martins (dos Deolinda), Nuno Gonçalves (dos The Gift) e Rita Redshoes. Convidou, ainda, um júri de 9 elementos onde se incluíam os músicos Ramon Galarza, Tozé Brito, os radialistas Nuno Markl, Inês Lopes Gonçalves, João Carlos Callixto (especialista em música portuguesa) e Inês Meneses, bem como as intérpretes Dora (que venceu o Festival com o célebre Não Sejas Mau Para Mim) e Gabriela Schaaf (que participou no festival em 1979 com o tema Eu Só Quero mas ficou famosa com o tema Homem Muito Brasa). A votação de este júri foi responsável por 50% da pontuação das canções nas meias-finais, sendo a outra metade da pontuação atribuída a partir dos resultados do televoto. Na final, a pontuação foi atribuída pelos resultados do televoto e pela votação dos júris regionais.
Das canções a concurso, confesso que apenas ouvi os temas finalistas e que, se descontarmos alguns desmandos interpretativos (ainda continuo à procura de encontrar o tratado onde está escrito que cantar bem é igual a cantar “aos berros”…) e as “fórmulas anglo-saxónicas” (que alguns devem achar que ainda nos vão dar uma vitória na Eurovisão), o nível geral das composições foi superior aos eventos anteriores.
Aqui chegados, vamos ao que interessa – a canção vencedora.
A canção de título Amar Pelos Dois, da autoria de Luísa Sobral e interpretada pelo seu irmão Salvador Sobral. Pormenor interessante, é que os dois irmãos foram dados a conhecer pelo mesmo programa (Ídolos), em edições diferentes, sendo que nenhum dos dois o ganhou. Curioso que tenham uma carreira mais sólida do que alguns dos vencedores. Curioso.
Quanto à canção, apetece citar Fernando Pessoa quando (em 1927) elaborou o slogan publicitário que serviria para introduzir a Coca-Cola no mercado português - “Primeiro estranha-se; depois entranha-se.” É exatamente isso que acontece com esta canção. Escrita com um gosto musical absolutamente irrepreensível, a canção explode numa fantástica interpretação em que o Salvador saboreia cada palavra que canta como se de pintar um fresco se tratasse. Já para não falar na postura contida que o poema exige, nem na extrema afinação com que o interpreta. Um verdadeiro hino ao bom gosto interpretativo! A este propósito, convém lembrar que Salvador Sobral foi hospitalizado logo a seguir à meia-final, tendo cantado na final a convalescer de uma operação a uma hérnia no umbigo. Ainda mais notável.
Pouco me importa se é canção para ganhar a Eurovisão. Importa-me, sim, que vamos ser representados por uma canção lindíssima e interpretada de uma forma notável. E isso, enche-me de orgulho enquanto português e músico!
Deixo-o, pois, com o poema da canção vencedora e com a interpretação da mesma na final.
Se um dia alguém, perguntar por mim
Diz que vivi para te amar
Antes de ti, só existi
Cansado e sem nada para dar
Meu bem, ouve as minhas preces
Peço que regresses, que me voltes a querer
Eu sei, que não se ama sozinho
Talvez devagarinho, possas voltar a aprender
Meu bem, ouve as minhas preces
Peço que regresses, que me voltes a querer
Eu sei, que não se ama sozinho
Talvez devagarinho, possas voltar a aprender
Se o teu coração não quiser ceder
Não sentir paixão, não quiser sofrer
Sem fazer planos do que virá depois
O meu coração, pode amar pelos dois
Atreva-se a ouvi-la novamente e, certamente, que não deixará de gostar cada vez mais dela!
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