JOANA M. SOARES |
Gostava de escrever uma carta de amor ao meu avô. Gostava de ler uma carta dele dirigida a mim. Quando o vou visitar ao lar – onde ele arrasta sonolentamente o futuro, encosto-lhe a cara no ombro, a mão dele pousa na minha face, para lá da janela diante dos meus olhos, os sinos da igreja desenham-se no céu, e eu peço-lhe:
“Ensina-me a crescer”
“oh filha, é viver todos os dias, passar por todas as fases”.
Às vezes ele chora, e outras choro eu. No desenho da lágrima, ele diz:
“Que é isso rapariga, ainda cá estou”.
Parece que toda a nossa vida pára naquele choro. A enxada na mão dele, a minha avó a ‘segar’ as couves na loja da casa. Os pintainhos que fomos buscar ao grémio. Quando demos os pés debaixo dos lençóis e todas as meias de leite e pães com manteiga que tomámos no piu-piu. Tanto disto verdade, quanto passado.
A mão dele desliza agora sobre a minha mão. “É assim. Esperar.”
O meu avô fez 90.
Pergunto-me:
Onde andam os arrumos da vida? Onde andam esses 90?
Quero vasculhar, retirar de lá todas as memórias, e assim escrever uma carta de amor. Seriam iguais essas cartas? A minha a ele, a dele a mim?
A minha futurologia diz que sim.
Começavam ambas com tudo o que é verdade para nós, e migalhas para os outros.
Belo texto! obrigado.
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