JOAQUIM DA SILVA GOMES |
Nas diversas freguesias da nossa região têm ocorrido alguns episódios, que de tão caricatos tornam-se imprescindíveis recordar. Um deles ocorreu há exactamente 110 anos, na freguesia de São Paio de Merelim, do concelho de Braga.
Tudo se passou no domingo de Ramos (dia 5 de Abril de 1903), quando muitos fiéis se encontravam no interior do templo religioso que existia nesta freguesia, e que era anterior à actual igreja de S. Paio de Merelim.
Convém referir que, apesar de António Ribeiro Sanches, um notável médico português (1699-1783) que exerceu grande parte da sua actividade na corte imperial da Rússia, ter verificado, após o terrível terramoto de Lisboa de 1755, que eram grandes e muito perigosos para a saúde pública os enterramentos nos templos, o facto é que o nosso país só passou a ter uma tímida legislação sobre os cemitérios com os decretos de 21 de Setembro e 8 de Outubro de 1835, da autoria de Rodrigues da Fonseca Magalhães. Nestes decretos, o autor criticava violentamente os enterramentos nas igrejas, considerando-os próprios de uma “ignorância da Idade Média”.
Apesar disso, a maioria das populações no Minho continuava a enterrar os seus entes no interior das igrejas, tal como sucedia com a igreja de São Paio de Merelim.
A igreja desta freguesia era um templo que tinha no seu interior imensas sepulturas. Tratava-se de sepulturas que se encontravam em adiantado estado de degradação, mas como estava a ser construída uma nova igreja na freguesia, os cuidados demonstrados pelas autoridades não foram os mais adequados.
Nesse domingo de Ramos, verificou-se um desabamento de algumas dessas sepulturas, que podiam ter resultado num elevado número de mortos. Com o peso das pessoas que se encontravam no interior da igreja, quatro sepulturas desabaram, criando uma cratera de cerca de quatro metros de profundidade. Nessa cratera, imagine-se, caíram cerca de vinte mulheres, “ficando umas de pé, outras assentadas e outras ainda de cabeça para baixo, gritando desesperadamente por socorro”. (1)
O pânico que se gerou foi de tal ordem, que a confusão foi imediata: os restantes fiéis, preocupados que o templo desabasse por cima das suas cabeças, desataram a correr igreja fora, provocando atropelos e muitos feridos e, inclusive, provocando danos no edifício. Aliás, a “porta principal da egreja, após o incidente, desaprumou, vendo-se uma das padieiras fôra do logar” (1).
No meio deste caos provocado pelas pessoas que fugiam para o exterior, as cerca de vinte mulheres que caíram nas quatro sepulturas tentavam assustadíssimas sair da cratera profunda, com medo que a igreja desabasse e aterrorizadas devido ao local onde se encontravam presas!
Até o pároco da freguesia, reverendo José Marques Coelho, que se encontrava nesse momento a vestir-se na sacristia, saiu para o exterior da igreja, alarmado com tudo o que se estava a passar.
Passados uns minutos, os ânimos começaram a serenar e foi então que vários indivíduos trataram de retirar as senhoras que se encontravam num local que tinham a certeza que iriam um dia parar, mas com certeza nunca imaginariam que lá fossem parar daquela forma.
O episódio das sepulturas que desabaram em São Paio de Merelim, freguesia que já pertenceu ao concelho de Prado (extinto em 24 de Outubro de 1855) e que já se chamou Merelim da Ponte ou S. Paio da Ponte, foi mantido no imaginário das pessoas da freguesia durante muito tempo. No entanto, com o passar dos anos, este episódio foi perdendo a sua importância e passado lentamente ao esquecimento.
1) Jornal “Commercio do Minho”, de 7 de Abril de 1903.
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