sábado, 25 de março de 2017

CARTA PRIMAVERIL

HELENA COUTINHO
Vinte e um de Março.

Finalmente chegou a hora de sacudir o Inverno das paredes de casa e do pensamento. É tempo de acordar, cedo, com a luz do dia a tocar no rosto e a tentar atravessar as cortinas do olhar. Diariamente, a abrir caminho para a Primavera, chegam andorinhas, aos bandos, trauteando refrões de liberdade. Consigo trazem as cores e a harmonia dos dias pintados pelo Sol. Chegam em grupos coordenados, como elegantes bailarinas, e vão piando histórias de lugares distantes, entre acrobacias e danças, no palco do céu. À medida que chegam, sobrevoam os lugares-abrigo onde regressam, ano após ano, como os bons filhos regressam sempre à casa-refúgio dos pais. É tempo de Primavera! E de celebrar sentimentos infinitos, com a ajuda das mais fiéis mensageiras – as andorinhas.

Hoje, a manhã acordou florida e convidou a aninhar-me como os gatos, à espera de uma nesga de ti, para apascentar os dias dos meus sentidos e vencer as águas de Março. Enrosquei-me nas memórias, na tentativa de conseguir abraçar, de novo, a tua voz, num caminho de regresso, como se fosses uma estação do ano. Fixei o horizonte e procurei histórias e momentos que ontem escrevemos juntos, alheios às leis do tempo e da saudade. E por falar em saudade, aproveito a “deixa” para admitir que há poucas coisas que deseje mais do que poder descobrir se nesse lugar, onde agora vives, é possível saberes a falta que nos tens feito e escutar o que, em soslaio, te tenho dito. Não tivemos tempo para combinar a estratégia perfeita para resolver este problema de comunicação. Não tivemos tempo para combinar como continuarias a ajudar-me a decidir o que, um dia, será o melhor ou o pior do meu passado. Não tivemos tempo para tanta coisa, pai! Mas sei que houve tempo suficiente para me ensinares coisas que nem eu sabia ter aprendido, que me têm ajudado a ser do tamanho das árvores que morrem de pé. Como tu…

Gostaria que, tal como as andorinhas, de vez em quando, regressasses à janela do meu quarto, para me desejar um bom dia, e insistir, até que o sono fosse derrotado. Gostaria que continuasses a ensinar-me as mais belas e eficazes técnicas de voo, rumo ao cais do Sol. E, acima de tudo, gostaria de poder aninhar as minhas dúvidas no travesseiro do teu abraço para te sussurrar que serás sempre tão inesquecível como o teu aniversário. Parabéns, Senhor-Primavera!

Com saudade, da tua abrileira.

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